domingo, 27 de maio de 2012

Dormir

A casa fica vazia sem você nela. Me debrucei na janela e suspirei. O relógio marcava três horas da manha. Eu devia dormir, mas resolvi ficar aqui olhando o céu, conversando com a Lua. Suspirei. Sempre entendi que, nos finais de semana, vai para o interior ver seus pais. Na verdade até um tempo atrás eu sentia falta, claro, mas não tanta quanto agora. Olho pro relógio, passou um minuto apenas. Chá de camomila? Chá de camomila. Botei a chaleira no fogo com pouca água. Precisava dormir. Dormir, segundo minha última psicologa era uma fuga da realidade, como se eu precisasse dormir pra fugir de algo que me afligia, porém, segundo ela, isso não resolvia, afinal os problemas continuavam. Não era a questão, se dormisse o tempo teria passado e o final de semana acabado.

O vapor começou a se desprender pelo bico da chaleira. Desliguei o fogão, coloquei o saquinho na xicará. Esperei alguns segundos e voltei pra janela. Voltei pra conversa contigo. Me peguei, me peguei no caminho até a janela, com um sorriso abobado na cara lembrando da ligação da tarde. Eu estava fazendo preguicinha no sofá. E aquela voz autoritária mandando eu lavar a louça. Lembrei do jantar. Tinha saído e comigo algo numa lanchonete qualquer, joguei no fliperama do shopping torcendo pro tempo passar o quanto antes. Deu pena dos garotos novos apanhando de um coroa de rabo de cavalo e mais de vinte anos na cara.

Quando voltei pra casa um fiapo de lua surgia no canto entre dois telhados. Uma minguante. Teu sorriso no céu... assim que entrei me debrucei na janela até o chá. Bebi um gole me sentindo aquecido. Pensei em dar uma volta pela rua. Ver o mar a noite. Preguicinha não deixou. Bebi o chá, fechei a janela, as portas e me enfiei embaixo das cobertas. Será que o final de semana me traria alguma surpresa? Tomara. Me agarrei no seu travesseiro e me deixei adormecer, não sem antes o "boa noite, Mô... nana direitinho, te amo".

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Divisor de Águas

Acordou sem abrir os olhos com a sensação e a lembrança do melhor sonho que já tinha tido. Franziu suavemente a testa e passou a ouvir uma respiração suave, calma, podia jurar que não era uma respiração, eram as ondas numa praia em um amanhecer de agosto - quando o mar se acalma, os ventos fracos fazem o mar parecer um lago de tão sereno - tamanha a paz que aquele som emanava. Abriu uma fresta de olho com a certeza de que tudo havia sido um sonho que, como já foi dito, foi o melhor da sua vida.

A pulsação se acelerou ao vê-la ali, deitada, aninhada em seu peito. Prendeu a respiração por não mais que um segundo afim de acalmar o coração que batia descompassado. Os batimentos se acalmaram, embalados por aquela calmaria. Agora os primeiros movimentos dos musculos: um sorriso se fez. Mordiscou o proprio lábio inferior analisando cada minimo fio de cabelo dela em seu peito, pareciam colocados com uma pinça, um a um, tamanha a perfeição em que estavam dispostos. Virou o olho um instante pra janela, uma fresta de sol ousava romper a pesada janela. Pensou em duas coisas ao mesmo tempo, precisava de uma cortina maior, que cobrisse a janela inteira com sobras e como o sol era chato em amanhecer. Quem deu o direito dele amanhecer já? Uma corrida de olhos para o outro lado, o relógio na cabeceira da cama marcava dez e quinze da manha. Levou o olho à janela pedindo desculpa ao sol.

Pensou em todos os compromissos, tudo que tinha para fazer hoje... lembrou de ter visto ontem em algum jornal de fim de noite que o metrô estaria em greve. Ótima desculpa para não ter que falar pra ninguem o real motivo de compromissos atrasados. Não queria dividir aquilo com ninguem, apenas consigo mesmo e, claro, com ela. Que agora voltava a ganhar o olhar de extrema contemplação dele. Ela ameaçou acordar. Ele fechou os olhos deixando apenas uma frestinha, como se ainda fosse criança e fosse fingir à ela que ainda dormia. Ela apenas se aninhou mais no peito dele. Ele tornou a sorrir com o fixo pensamento de como amava aquela mulher e o quanto queria faze-la feliz. Ela, muito provavelmente fingindo dormir também sorriu e balbuciou, com a voz embargada de sono, "te amo". Ele, completamente perdido ainda ouviu o complemento "muito e tanto". Diz-se que uma lágrima rolou pela face dele. Sua busca chegou ao fim, sua vida passou a se dividir em antes e depois daquele momento... de ter encontrado ela. Ela encontrou ele que a abraçou mais forte. "também te amo" balbuciou com lhe dando um beijo nos cabelos "muito e tanto" e voltaram a dormir. Hoje o dia era deles, da preguicinha tão famosa deles. O mundo? Ah, ele que espere.

domingo, 6 de maio de 2012

Pequena Árvore

Pobre árvore, tão jovem e já trancafiada. Não, não, ela não matou ninguem, não cometeu nenhum crime. Muito pelo contrário: ela foi vitma de um crime terrivel! Diversas vezes lhe chutaram, lhe pisaram, "é só um mato" alguns disseram... coitada! Uma nobre árvore, que tem um futuro frondoso pela frente, que irá, quem sabe, produzir frutos, oferecer sombra no verão, morada para pássaros confundido com um mato, um capim! Não desmerecendo o capim, seu objetivo também é válido, porém ele tem uma tolerancia maior a "pisões".

Agora luta desesperada, em meio a uma calçada rasgada pelos anos sem conservação, uma rua de extremo movimento, de poluição diariamente, de lixo jogado em sua pequena ilha de terra - os espaços ao redor foram todos, habilmente, cimentados -, papeis de bala, tocos de cigarro, restos de construção... coitada da pequena árvore, obrigada a viver em meio a tantos seres que não entendem que ela precisa de espaço, precisa de um ambiente favorável, precisa de tanta coisa nesse primeiro momento e os humanos, lhe negam qualquer chance de sobrevivência!

Todos os humanos não, é verdade. Alguns humanos, temendo pela vida da pobre lhe aprisionaram. Não por seu mal, longe disso, esperam salva-la a todo custo. Esperam que, apesar da atitude da maioria, a árvore possa crescer, florescer, dar frutos, ninho para pássarinhos e, assim, ela propria se libertar do cárcere a que fora obrigada a viver e cobrir, em dias quentes, a cabeça, mesmo daqueles que a pisaram, chutaram... tudo pra mostrar que não guarda nenhum rancor.