segunda-feira, 25 de junho de 2012

inquietas sombras


O dia havia sido igualmente estranho. Todos os dias eram estavam ruins. Olhava para os céus e se perguntava onde havia errado, o que estava acontecendo? Olho para as proprias mãos. Elas pareciam diferentes. Dentro do ônibus, na rua, sentia como se estivesse num sonho... já havia lido sobre isso. Desvirtualização. Tanto "lutou" pra afastar a depressão e agora ela dava sinais que queria voltar. E voltar com força. No caminho de volta pra casa acabou parando na padaria. Pediu um chocolate quente. Foi quando a garoa virou tempestade. Foi quando o céu derramou tudo sobre ele.

Pagou e saiu. Parou na marquise espiando a chuva. Assim que ela deu uma brecha correu pra casa. Tudo estava frio. Deixou as chaves sobre a bancada, proxima da porta. Olhou o relógio. Ainda não era hora dela chegar. Pensou como era boa a presença dela... ao menos algo na sua vida estava - finalmente - tranquilo. Quando seus dias eram de tempestade ela estava lá para acalma-lo. Quando os dias dela eram tempestuosos, ele estava lá para acalma-la. Assim eram os dias. Quando olhou pela janela a chuva aumentou. Pensou se ela havia levado guarda-chuva... quando olhou pra dentro novamente viu o papel dobrado.

Leu. Releu. Leu de novo. Chegou ao ponto de ler três vezes ao mesmo tempo. Respirou fundo, afastou a folha, debruçou na mesa e chorou. Chorou tanto que começou a soluçar. Devia ligar, mandar SMS, sair correndo nessa chuva toda atrás dela. "Apenas estou dando a você, o tempo que não teve CORAGEM de me pedir." Essas linhas doeram. Doeram fundo. Fundo demais para que pudesse reagir. Foi até o quarto, abriu o guarda-roupas... as roupas dela não estavam ali. Caminhou a passos lentos de costas até a cama... se sentou e ficou ali, vendo o guarda-roupas vazio, iluminado apenas pelos raios que trespasavam as cortinas. 

Se lembrou de uma música de Renato Russo "mas é claro que o sol, vai voltar amanha..." cantarolou algumas vezes. Se lembrou de Fausto... "aí vindes outra vez inquietas sombras...?" Teve tantas lembranças de músicas, textos, cartas, crônicas... então por que todas elas ficavam abaixo da frase da carta dela? Co... ra... gem...? Balbuciou tocando os proprios lábios. De fato nunca foi muito corajoso... mas... isso? Não. Quis correr atrás. Algo lhe prendia ali. Quis sair correndo, qualquer lugar (mas sabia onde ia parar, na porta dela). Quis tanta coisa e tanta coisa conflitante entre si que abriu a janela que tinha uma pequena sacada, a chuva não entraria, apenas o cheiro da chuva, o frio da chuva.

Perdeu completamente a noção do tempo que ficou ali. "Ela ta atrasada" pensou. Se lembrou que ela não viria hoje... digitou a mensagem no celular. Desligou antes de enviar. Quando a chuva dava sinais de que não persistiria viu algumas poucas estrelas brotando no céu. Foi quando voltou a respirar e viu que já era tarde, que estava ali a muito mais tempo do que, realmente, se lembrava... foi quando deixou o ar sair em meio a mais uma enchurrada de lágrimas. 

Sabia que ela estava na mesma posição, que ela estava - muito provavelmente - com um, maldito, cigarro entre os dedos, mas sem traga-lo. Estava apenas aceso, queimando sozinho entre os dedos dela... Ele, com os olhos vermelhos e quase num último de suas forças, olhou para uma nuvem, certo de que ela ouviria aquelas palavras.

"Meu amor, me perdoa por estar assim... os dias tem sido extremamente ruins, mas eu, do alto do meu egoísmo, quis lhe poupar de mais um problema de minha cabeça confusa... eu mereço que não esteja aqui agora. Fiz por merecer. Sei que é dificil... mas, me perdoa por mais essa bobeira minha? Amanha de manha vou ao seu encontro, mesmo sem saber se devo eu vou... porque existem poucas certezas em minha vida e uma delas é que eu te amo... tanto e muito! Fica bem, dorme bem... te amo!"

Ao dizer isso se deixou escorrer até o chão, levado, novamente, pelas lágrimas que tentava conter. Era impossivel... como conter um rio? Como conter uma tempestade? Impossivel. Se deixou adormecer certo de que ela havia recebido a "mensagem". 

"eu... te... amo... dorme... bem... Mô..."

Balbuciou se aninhando no chão - nessa hora deu graças de ter um tapete grande no quarto - e puxou uma coberta qualquer do guarda-roupas escancarado e vazio.

domingo, 17 de junho de 2012

Domingo

Eu sempre gostei dos domingos, sempre era o dia mais parado da semana, almoço com familia, dormir o dia inteiro, não ter absolutamente nenhum compromisso... era o dia de ver futebol, algum filme meia boca na TV, jogar, conversar com alguns amigos, jogar conversa fora por horas e horas afio até o dia morrer no horizonte. Via de regra o domingo sempre foi o dia de beber um pouquinho, curtir, fazer tudo fora do horario como se fosse pra provocar a vida "ó, eu ainda sei fazer as coisas diferetes viu?!".

Mas esse domingo foi diferente. Sim. Eu acordei tarde, lavei a louça atrasado, almocei com a familia, bebi um pouco... mas mal vi o futebol, mal conversei com os amigos... dormi tanto a tarde que só acordei depois do por do sol. Abri a janela. Uma fresta apenas. Chovendo. Abri mais, gosto do cheiro de terra que sobe quando chove. Olhei pro céu e sorri. Você estava lá assim como do meu lado, pedindo espaço pra ver a chuva também.

Deixei o sorriso escorrer para o canto dos lábios. Suspirei de leve me perguntando até quando eu ficaria assim. Balancei as mãos acima da cabeça como se estivesse afugentando pássaros que estavam voando sobre minha mim. Mas na verdade afugentava os pensamentos ruins. Odeio admitir isso, mas eles sempre vinham no fim da tarde de domingo. Resquiscios da época da escola "droga, amanha já tem aula". Acabei sorrindo assim que os pensamentos se afastaram. Liguei uma música que estava cantarolando mais cedo "eu canto pra nós, que somos loucos, e um pouco pra nós, que somos loucos". A ouvi com os olhos rasos em lágrimas. Olhei o relógio. 19:30.

Todos os domingos eram sempre parecidos, apesar da minha provocação pra vida. Apesar da falta de algumas coisas que antes me eram importantes. Agora eram facultativas. Futebol eu via o resultado depos. Os amigos eu podia falar durante a semana. O domingo continuava sendo domingo, mas agora por outro motivo: era a véspera da segunda-feira.


p.s.: A música citada é Bandalheira - Azulado

segunda-feira, 11 de junho de 2012

terça-feira

Acordaram juntos como sempre. Ele, antes de abrir os olhos se certificou que precisava, realmente, acordar. Terça-feira né? Era preciso acordar e honrar os compromissos. Abriu os olhos sem mover mais absolutamente nada. Franziu a testa vendo uma fresta grande na cortina. Esqueceu de fecha-la completamente noite passada? Não lembrava direito. A noite passada tinha muitas lembranças boas, a maioria delas relativas a mulher deitada praticamente em seu peito. Aliás, duas ressalvas: não era a maioria das lembranças, eram todas as lembranças e não era uma mulher... era a sua mulher. Mas nenhuma lembrança da cortina. Sem virar o rosto olhou pro relógio. Estava quase na hora do despertador tocar... com agilidade se estigou e desligou o despertador sem acorda-la. Claro que precisavam acordar e ir trabalhar. Mas ele queria ser o despertador. E assim foi, dando um beijo suave nos cabelos dela "Mô... acorda... já ta quase na hora..." sussurrou.

Sentiu o corpo dela se franzir todo, tal como a testa dela fazendo uma caretinha. Sem muitos movimentos ela se expreguiçou ainda com a cabeça no peito dele e sem o olhar. Ritual diario: ela nunca o olhava diretamente nos primeiros segundos depois de acordada, algo como praguejar com o olhar o dia por tira-la dos seus sonhos. Embora já tenha sido pior, algum tempo atrás ela nem mesmo fazia qualquer menção à ele nas primeiras horas da manhã, por puro mau-humor matinal. Ele mudou ela assim como ele mudou ela. Mesmo na época que ainda não dormiam juntos todas as noites ambos diziam, ao acordar "bom dia" e "boa noite", mesmo que a cama estivesse vazia do outro lado ainda.

Depois de quase um minuto "expreguiçando as pupilas" ela, finalmente olhou pra ele com um sorriso fino "bom dia, Mô", ao que ele respondeu as mesmas palavras, não na mesma entonação, claro, mas na mesma sintonia. Sorriram com os lábios, com os olhos um para o outro. Deram um beijo suave. Ele levantou antes. Fez sua higiene matinal. Ele veio ao pé da porta do quarto "levanta daí preguicinha, que coisa" fazendo uma careta que estava inclassificavel - estava entre a bronca e a contemplação - e, ao vê-la colocar um pé fora da cama, sorriu satisfeito indo na direção da cozinha preparando um café da manha básico, pão, leite, café - pra ela - e achocolatado - pra ele.

Ela veio do banheiro com o cabelo já arrumado, praticamente pronta pra sair - ele ainda trajava o pijama da noite anterior -, e uma fina maquiagem no rosto. Os dialogos matinais foram os corriqueiros, sobre a noite anterior, sobre as noites seguintes, sobre o dia anterior, sobre os proximos dias, sobre a lua, sobre o sol, sobre as estrelas e o final de semana na chacará que haveriam de passar juntos qualquer dia. Terminaram o café com ele arrumando a cozinha rapidamente enquanto ela ia para o quarto terminar de se vestir. Quando ele terminou com a cozinha seguiu para o quarto afim de se arrumar também. Trocou de roupa, tomou uma ducha rápida, vestiu a primeira roupa que a mão alcançou dentro do armário. Ficou pronto alguns minutos antes dela. Fazia isso de proposito, só para poder reclamar "você demora muito pra se arrumar, como se precisasse disso pra ficar linda..." e ela respondia um "cala boca prê" e ambos acabavam rindo.

Enfim ela ficou pronta. Ele recolheu suas chaves, celular. Ela recolheu as chaves, o celular e o - maldito - cigarro sob a careta de repulsa dele. Ela sorriu de canto meio amarela "eu tô parando, não tô?!" ao que ele fez cara feia soltando um hunf qualquer concordando. Caminharam até a porta. Sairam, trancaram a porta. Chamaram o elevador. Agora que tinham se dado conta: estavam de mãos dadas. Iam trocar um beijo longo e apaixonado, não fosse a chegada do elevador. Ao pisar dentro do transporte, no entanto, o beijo apaixonado, enfim, se consumou. Durou pouco, é verdade, mas durou o suficiente pra atiçar a vontade de ambos pelo lábio um do outro. Afastaram as bocas quando sentiram o transporte vertical parar. Ficaram suavemente vermelhos ao ver o porteiro do prédio.

Caminharam de mãos dadas até a portaria, da portaria até a rua. A rua com o sol. Selaram os lábios por quase um minuto. Desejaram um ótimo dia um para o outro e se afastaram. Ele para a esquerda, ela para a direita. Ele tinha certeza de que aquele dia tinha algo especial. Só não conseguia se lembrar. Antes de virar a esquina olhou pra trás. Ela, ao mesmo tempo, fez igual. Sorriram e seguiram.

O dia se passou tranquilo. Calmo para os dois, cada qual em seu lado da cidade, sempre que podiam trocavam alguma mensagem de texto durante o dia, se falaram na hora do almoço. Porém tudo regulado, tudo com tempo certo. No fim da tarde lembrou que dia era. Dia dos namorados. Ela era e sempre haveria de ser sua namorada, independente de estarem casados agora. Ele se sentia igual ao dia que ela - sim ela - o pediu em namoro... Olhou o relógio. Caminhou apressado, queria chegar em casa, muito, antes dela.

Preparou um jantar caprichado, decidiu que era hora de abrir aquele vinho que tinham comprado na viagem ao Rio Grande do Sul... preparou a mesa, a casa toda. Desrosqueou a lâmpada da sala, queria um clima mais romantico., colocou a mesa no centro da sala, afastou o sofá, acendeu as velas e ficou só espiando pela janela. Pediu ao porteiro que desse um toque quando ela estivesse subindo. Quando terminou de cozinhar tomou um belo banho, passou aquele perfume que ela adorava e ouviu o interfone. Acendeu as velas da mesa, pegou a rosa que havia comprado de um menino no sinal. A porta destrancou. A luz do corredor iluminou parcialmente a sala. Pode ver no rosto dela um dia cansativo, um daqueles dias que só se quer chegar em casa e ir para a cama...

Ela entrou jogando as chaves na mesinha ao lado da porta. Ela tentou acender as luzes. Nada. Tentou de novo. De novo. Nada. Ao entrar mais um metro ela viu a luz das velas postadas na mesa e sorriu. "Feliz dia dos namorados, minha eterna namorada!" e entregou a rosa. Ela, nitidamente surpreendida não sabia onde colocava as mãos, o que dizer, os olhos marejados, os lábios tremulos... era o "sinal" que ele esperava. Era o que esperou para fazer o dia todo. Instantes antes dos lábios se unirem, balbuciaram ao mesmo tempo "te amo meu amor, muito e tanto" e selaram os lábios num beijo sem limites de tempo. Sem correrias do despertador, sem portas de elevador, sem horarios, sem absolutamente nada além deles dois que, agora, se tornavam um só.

sábado, 9 de junho de 2012

Uma vez no oeste

Entrou no saloon empurrando as duas portinholas ao mesmo tempo. O homem que tocava o piano parou. O jogo de cartas parou. O balconista parou. Todos com cara de poucos amigos, como quem fosse sacar a arma no próximo segundo. O recém-entrado parou dois passos mais adiante. Buscava um lugar para se sentar, as mesas - três, no total - todas ocupadas. Torceu a cara erguendo um pouco a aba do chapeu de feltro, tão preto quanto suas vestes. E tão suja de poeira quanto suas botas. Havia um banco vazio proximo do pianista, que a essa altura, vendo que o novato não tinha intenções de atirar voltara a tocar sua música animada. O balconista se preparava psicologicamente para atender. Só o jogo de cartas seguia pausado. Todos os quatro integrantes do jogo de cartas estavam com uma mão - a esquerda - segurando seu jogo e a direita sobre o coldre, pronto para atirar. O homem ergueu um pouco mais a aba do chapeu e caminhou saloon a dentro. Passou próximo do jogo de poker. Algumas notas de 20 dolares morriam na mesa e o jogo recomeçava. Se sentou fazendo um pequeno gesto de cabeça.

Podia ser mais um dia tranquilo. Podia atirar nos quatro da mesa, roubar o dinheiro da mesa. Podia encher a cara, adormecer com uma prostituta. Não seria má ideia. Pediu ao balconista o mais clássico dos drinks da região: o bom e velho cowboy. Whyski, sem gelo. Bebeu um sem respirar. Pediu o segundo. Deu um gole curto e virou-se para o pianista. Pediu alguma música animada. Hoje o dia prometia. Havia tido a noticia de que na cidade estava um dos maiores ladrões de banco da redondeza e, por sua cabeça, ofereciam 20 mil dolares. Nada mal. Enquanto sentia a vibração nas notas da música bebia o restante do drink. Passou a observar todos do saloon pelo grande espelho que ficava ao fundo do balcão. Seu alvo não estava ali. Mais uma pista fria. Mais uma noite curta. Mais uma saída ao amanhecer. Rumo a proxima cidade e a proxima pista. Rumo, ao seu destino.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

segunda-feira


Eu nunca tive nada contra ela. Na verdade pra mim sempre foi um dia tão comum quanto os outros da semana. Nos anos da escola ela era, inclusive, um dos dias mais brandos de matérias dificeis. O tempo que trabalhei ela era chata, sua chegada fazia desejar outra coisa... mas, no fundo, no fundo eu nunca tive muito contra ela. Na verdade até tenho certa simpatia por essa moça. Porém agora é tudo diferente...

Ela me tira de ti, me faz ficar longe, te faz ficar longe... deveria ser o melhor dia da semana, mas não é! O dia em que eu te reencontraria, o dia que te teria novamente após alguns dias distante... maldita segunda-feira! Ainda assim tão linda por saber que sim, você existe, e tão cinza que faz o céu chover, só pra alimentar meus suspiros. Sim, suspiros, lembro-me que disse certa vez "quando estiver chovendo não tenha medo dos pingos, são meus beijos pra ti" até hoje quando chove penso duas vezes em abrir o guarda-chuvas... claro que abro. Mas adoro pensar que são beijos teus me cobrindo. Ainda que a "maldita" segunda-feira te afaste de mim tão dolorosamente. Logo chega a noite e você volta... oba, quase terça!

sábado, 2 de junho de 2012

Esse Amor II

Acordou como sempre, sem abrir os olhos, não sentia-a embaixo de seu braço. Será que ela havia saído até a cozinha? Ficou se perguntando de que forma ela havia "escapado" daquela conchinha sem te-lo acordado. Lembrou que seu sono sempre foi pesado, sobretudo quando estava tranquilo, sereno com algo. Resolveu abrir os olhos. Ainda sentia o cheiro dela no travesseiro. Finalmente abri os olhos e vi, ainda com a vista meio embaçada, aquele papel. Não, não era um simples pedaço de papel. Era uma folha, uma carta, uma carta dela!

Olhou o relógio enquanto desdobrava o papel com zelo. Se sentou na cama afim de ler melhor. Leu, releu, leu novamente, conseguiu a façanha de ler duas vezes e ao mesmo tempo cada linha! Ao fim dela quase tinha decorado cada palavra, cada desenho das letras. Abraçou o papel tomando cuidado para não amassa-lo, olhou para cima - céu - e agradeceu a Deus por ter ela. Se deixou cair de volta na cama. Também tinha pensamentos do tipo que não merecia ela. Que não tinha nada de especial para merece-la. Mas, enquanto pensava, ouviu o "shiiiiiu" autoritário dela. Acabou rindo da forma como ouvia ela comentando em tudo. Imaginou-a como aquele diabinho no ombro do pica-pau. Ora era a diabinha e ora a anjinha. Fazia sentido. Ora a menina, ora a mulher.

Afastou um pouco o papel do peito e leu mais uma vez. Olhou o relógio. Pensnou em mandar um grande "foda-se" para todas suas ativididades... mas não podia. Teve um dia estressante, chato, cinza, tomou banho de chuva, enfrentou filas, ruas esburacadas, tantos problemas que, quando voltou para casa no final da tarde, tudo que queria era ter comprado um saco de areia pra socar até cansar. Ao entrar a casa estava quieta, meio fria. Colocou uma água para esquentar. Não comeria nada de elaborado, qualquer miojo-com-gosto-de-isopor estava bom. Caminhou até o quarto, tomou uma ducha rápida e colocou uma roupa quente. Voltou a cozinha, preparou o seu miojo.

Não se importou com prato, pegou um garfo e voltou pro quarto. Lembrou-se das palavras de sua mãe, que dizia que comer da panela fazia chover no casamento. Acabou rindo disso. Será? Ficou imaginando ela, com o vestido todo branco e a barra toda suja de lama. Ela ficaria uma fera, ainda mais se soubesse que ele tinha sido o culpado disso! Ele havia comido miojo na panela e por isso chovia! Injustiça!

Leu a carta novamente enquanto ligava o computador... desistiu no meio do caminho. Pegou o notebook, colocou na cama, se sentou usando a cabeceira de encosto e procurou entre os arquivos do HD um em especial. Procurava algum filme. Achou amizade colorida, pensou um instante... pensou que a história deles era a continuação. Podiam muito bem transformar a história deles na continuação. E o mais incrivel: eles tinham um lugar especial em cima de um prédio - o dela, a casa dele era no "chão" -, tinham feito tantas coisas e tinham tantas para fazer que lembrou de uma música dos Engenheiros que cantava "já vivi tanta coisa, e tantas tenho pra viver, tô no meio da estrada e nenhuma derrota vai me vencer".

Beijou o papel enquanto lia mais uma vez, o filme já estava começando. Puxou as cobertas. Pausou o filme relembrando que tinha que trancar as portas, apagar as luzes... nossa. Sem ela aqui ele ficava perdido. Até pensou em ligar pra ela. Pensou e ligou. "O número discado encontra-se desligado ou fora da área de cobertura...". Ela disse que isso aconteceria. No caminho de volta pro quarto praguejou o fato dela ir para um lugar tão longe de tudo. Mas... ao ver a carta, esqueceu de tudo. Se enfiou embaixo das cobertas pensando se ela tinha levado roupa pra frio. Levou. Colocou a carta ao seu lado, como se estivesse sentada e assistiram o filme até cair no sono.