segunda-feira, 29 de outubro de 2012

SMS

Já na cama, aquele silêncio denunciava mais uma madrugada típica. Os fones de ouvido só estavam presos ao celular afim de evitar o barulho de cada SMS que chegava. Cada resposta. Cada nova palavra enviada - muito embora o som do "digitar" no aparelho fosse tão barulhento quanto a chegada de mensagem nova sem os fones - um pequeno mordiscar de lábio inferior. Sempre havia o receio de uma mensagem chegar pela metade, não chegar. Todo mundo reclamava que várias vezes as mensagens demoravam horas, dias pra chegarem aos destinatários. Com eles nunca havia acontecido isso, com eles até mesmo aquelas mensagens longas sempre chegavam com, no máximo, alguns segundos de atraso. E, cada atraso, o coração vinha na boca "o quê ela pensou?", "o quê ele pensou?". E nessa foram até o sono os derrubar, mas, não sem antes um "boa noite, dorme bem, te amo" dito de cada um dos lados.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

tablet

          A mão segurava a testa antes que a mesma pudesse cair, juntamente com o restante da cabeça, da posição de cansaço, de relativo stress, de estranha tranquilidade e de uma serenidade fina, tal qual aquela cerração que se forma alguns centimetros acima do chão. Queria que seus pensamentos fossem como ícones na tela de um tablet: que pudesse arrastar alguns pra um lado, outros pro outro lado, encolher a maioria, maximizar os de real importancia. Acabou sorrindo de canto com esse pensamento meio absurdo. Os olhos fechados eram pra ocultar - de si proprio - a dor de cabeça que sentia. Com algum esforço a "prendeu" em uma têmpora só, só a direita. Porém, conseguia deixa-la de um lado só, mas nunca faze-la evaporar e lhe deixar totalmente tranquilo. Sabia que essa tranquilidade logo chegaria, sabia que faltavam alguns detalhes não tão pequenos, mas, mesmo assim, conseguia aquietar o seu tão e sempre revolto coração. Faltavam pouco mais de um mês para o seu "ano novo particular". Só ele comemorava tal ano novo, afinal, só ele fazia aniversário naquele dia. Claro, deveriam haver outros mas, para si, aquela data que estava por vir era sua. Ainda que a odiasse, sabia do seu poder regenerador. Pelo visto ainda tinha uma boa quantidade de fé no futuro dentro de si. Que bom.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Marian


A noite era fria. Eu estava envolto naquela onda melancolica haviam semanas. Semanas e mais semanas que tudo o que eu via e escutava era a mesma coisa de sempre: aquela rotina estava me matando. Mas dependia dela. Precisava de algo para me manter longe daqueles desejos... Mas tudo aconteceu alheio ao meu controle. Não podia mais conviver com aquela rotina. Ao menos o acerto ao fim da "rotina" - emprego de quadrinista numa revista de grande circulação nacional - rendeu bastante.

Porém - maldito sejas tu, porém! - gastei boa parte do dinheiro em bebidas, festas... precisava de algo pra me reerguer. Fui a última festa, aproveitar enquanto tinha algum dinheiro. Quem sabe lá tivesse a ideia. Entrei como sempre, procurei alguem para dançar. Foi quando a vi... morena, uma roupa normal, um belo par de sandálias nos pés igualmente belos. A chamei para dançar, para beber alguma coisa. 

Falava bem, se movimentava bem. Quando ela estava bastante alcoolizada, a chamei para sairmos dali, afinal eu tinha planos bem mais interessantes... fomos ao meu apartamento. Transamos. Bebemos mais. Transamos novamente, foi quando vi uma luz diferenciada bater sobre o rosto dela. Marian era o nome dela. Peguei meu material de desenho e rabisquei suas curvas, seu rosto... mesmo dormindo parecia incrivelmente expressivo. Depois de alguns minutos lá estava ela, eternizada no papel.

Logo o dia amanheceria. Tinha desenhado diversas histórias com ela. Já tinha duas duzias de desenhos e a personagem se formou completa em minha cabeça. Tudo. Uma heroína. Uma caçadora de recompensas... era disso que eu precisava para voltar. Perfeito. Quando a escutei se mover notei: não era perfeito. Tinha de quebrar a forma. Outros poderiam usar a mesma forma e, assim, arrancar meus lucros. Mas como fazer? Ela sabia onde eu morava, conhecia meu rosto... como?

Foi quando me veio a ideia que me arrepiou, será que eu teria coragem de fazer isso? Peguei o celular dela. A julgar pelos numeros ela morava sozinha. Então poucos sentiriam a falta dela. Talvez "mamãe", "Tha" e "Jé" que estavam com muitas ligações recentes... será que ela era uma lésbica afim de algo diferente? Mais uma coisa interessante para se acrescentar à "minha" Marian. 

Era cruel mata-la enquanto dormia. Mas era necessário. Assim o fiz. Dei um beijo suave nos cabelos dela como forma de agradecimento pela inspiração. Respirei fundo e cobri o rosto dela com o travesseiro. Não contava com o fato dela acordar durante o processo. Nos filmes isso parecia tão fácil... mais uma aprendizado. Os braços dela tentavam, desesperadamente, tirar os meus dali. Mas, convenhamos, um homem é muito mais forte que uma mulher. Quando o movimento dela cessou respirei mais aliviado.

Agora outro problema: o que fazer com o corpo? Esperei esfriar. Cobri com uma velha cortina que eu guardei por anos a fio. Depois coloquei num saco preto, desses de lixo, e encaminhei-me à lixeira... mas não podia ser a do meu prédio. Peguei as chaves do carro e dirigi até o outro lado da cidade. Já era noite quando a joguei na lixeira. Agora era esperar o caminhão de lixo compactar e sumir com aquilo lá. Adormeci e só fui acordar com o proprio caminhão tirando a caçamba a deixando limpa. Ninguem notou o grande saco preto.

Dirigindo de volta para casa pensei na investigação: iriam a casa noturna que foi o último lugar que ela foi vista. E lá teriam imagens minhas. Ainda em posse do celular dela mandei uma mensagem às amigas "surgiu um imprevisto, tive de visitar a mamãe que sofreu um acidente, volto em 3 ou 4 dias". As duas responderam quase que instantaneamente com algo resumivel a um "ok". Sorri satisfeito tirando o chip do aparelho e o jogando no rio em seguida. Quebrei o chip e joguei em um bueiro.

Quando era dia passei em frente da casa noturna. Estava fechada. Comprei um galão de óleo disel. Joguei na porta da casa noturna, o incendio estava iniciado calmamente. Voltei ao meu apartamento, recolhi os desenhos, minhas roupas e liguei para o senhorio. Disse que estava de saída por problemas familiares. Entreguei a chave na portaria e saí. Dirigi até uma velha cabana em que meus pais viveram os últimos dias. Desenhei toda a série de Marian em meio àquela paz toda. Depois de um ano a publiquei, ganhei milhões com a história... obrigado, Marian.