quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Quarta-Feira

Haviam conversado a semana toda. Em meio às arrumações sempre que podia largava tudo e ia ao encontro dela, ao carinho, ao colo, ao conforto que só ela lhe dava. Algumas festas de despedida se fizeram, outras pessoas, mais queridas, vieram se despedir pessoalmente. Menos ela. Se encontravam ou em um local "neutro" ou no oitavo andar dela. No fundo compreendia isso. Toda aquela bagunça, aquelas caixas, de uma forma ou outra estragariam as lembranças que compuseram ali. As horas juntos, brigando, se amando, se mimando, se olhando ou apenas parados vendo a chuva cair aos poucos e regar o jardim deles.

O jardim seria cuidado por uma senhora, vizinha e dona do imovel, ela disse, ao ver o jardim, que seria um pecado deixar que se estragasse algo tão belo. Sobretudo com o sentimento pulsante que exalavam daquelas flores e plantas que eram tempeiros. Ficava tranquilo com isso. Claro que já tinha providenciado mudas para todas as plantas, os tempeiros... olhei o relogio preocupado. O caminhão estava quase todo carregado e ela ainda não tinha vindo. Será que era o trânsito? Devia ser. Talvez o elevador tivesse dado defeito a atrasando. Isso.

Tentei segurar o caminhão o máximo que pude. Se fizesse mais atrasaria todo o dia daquele caminhoneiro. Provavelmente ele tinha esposa, filhos pra voltar ao fim do dia... não era justo. Segui com ele sentindo um aperto no peito. No meio do caminho senti um aperto no peito. Tomei o celular nas mãos "0 mensagens novas". Ah sim, ela estava sem crédito... por que o mundo tem que ser tão captalista ao ponto de um casal não poder trocar mensagens livremente? E o sinal que sumia a todo instante? Logo chegaria ao seu novo ponto de morada, logo chegaria ao seu novo lar... queria trazer ela consigo, mas, por ora, não podia. Ainda não tinha nada garantido nem para si, não podia mete-la nessa "encrenca", ainda que com ela tudo parecesse possivel, agora era hora de se fixar e aí sim traze-la pra cá.

Claro que o plano tramado era bom na cabeça dele. Claro que ela, a certo custo, compreenderia a visão dele, mas havia algo que eles não tinham planejado - e nem poderiam tê-lo feito -, algo que eles não tinham controle: a saudade. Assim que terminou de descarregar tomou o celular nas mãos. Redigiu uma mensagem curta enquanto olhava o céu.

Os dias que se passaram foram doloridos, foram cansativos arrumando tudo. Sempre que sobrava um minutinho - entre desfazer uma caixa e outra - mandava uma mensagem para ela. Já tinha eleito aquela lage, no alto da casa, o local que traria ela assim que possivel. Uma semana e um dia haviam se passado. Oito dias. Foi quando ele resolveu fazer algo que nem mesmo ela esperava. Aliás, nem mesmo ele.

Vestiu uma jaqueta grossa. Pegou o capacete e rumou na direção dela. Trancou a casa, deixou tudo por arrumar. Foda-se. Pensava enquanto guiava rápido. Se ela lhe visse andando nessa velocidade ela faria um bico do tamanho do universo. Sorte que ela não o via. Não agora. Olhou o relógio. Ela não estaria em casa. Do bolso. Daquele molho de chaves se lembrou que não tinha mais a chave dela. Entrou no edificio. Comprimentou o porteiro e subiu sem muita pressa, pelas escadas. Faria do tapete seu tapete finalmente. Aquele tapete de borboleta certamente reclamaria. Mas... não foi dessa vez. Lembrou da chave escondida no canto. Naquela lugar onde ficavam as mangueiras de incêndio. Ele havia deixado a chave ali uma vez que ela lhe fez voltar até a garagem pra achar as chaves que ela não conseguia achar na bolsa e, ao voltar suado, cansado, ela estava com as chaves da bolsa na mão. Por birra ele havia deixado as chaves ali. E ali ficaram. Ainda bem.

Entrou. Preparou o jantar e deixou a casa quieta, a luz fora como daquela terça-feira. Não era um repeteco. Um deja vú. Era real. Ele havia abandonado a casa inteira com mobilha e caixas para desfazer pra ir ao encontro dela. E daí que viajou horas? E daí que não tinha muita certeza no amanha? Se trancou dentro do apartamento. Dois minutos depois ouviu a porta destrancando... estomago embrulhado, borboletas na barriga, viu a silhueta na soleira da porta. Era ela.

Um comentário:

ઇ‍ઉ disse...

Ainda no escuro, por trás das luzes das velas sobre a mesa, reconhecer a silhueta. Estava sentado na poltrona, as pernas ligeiramente cruzadas, uma das mãos apoiadas no braço da poltrona com a chave na palma e a outra coçava levemente o queixo. Era ele! Milhões de perguntas invadiram sua mente, formulou centenas de frases em frações de segundos, mas a única coisa que conseguiu dizer, ao correr para os braços dele foi... eu t(i) amo.