segunda-feira, 11 de março de 2013

Vento Pela Porta

Pela porta entre aberta entrava um frio e esfriava o café na xícara. Não se lembrava de ter deixado a porta aberta. Será que foi ela? Não. As meninas? Não. O vento então? Sim, melhor culpar o vento por enquanto. O vento que a tomou pelas mãos. Disseram que tudo que estava ao seu alcance foi feito. Se mãos humanas não eram possiveis de segura-la, quem seria ele para faze-lo? Ainda assim esticpi as mãos. Ela esticou as dela. A luz atrás dela era forte, a reconhecia pela silhueta, pela displicência com o cabelo, pelo toque suave das mãos macias. Sentiu as mãos dela escorregarem lenta e dolorosamente enquanto ela seguia volitando de costas para aquela luz.

Os olhos, apesar da distancia, seguiam, uns presos aos outros. Os dela, com uma serenidade, com uma tranquilidade que tentava transmitir a ele, que eram o oposto: eram a agitação, com uma instabilidade de quem demonstrava que não conseguiria seguir, não sem ela. Por mais que os olhos dela dissessem que tudo iria ficar bem, que ele conseguiria seguir em frente, ele não conseguia acreditar. Não agora. Não com a ferida aberta, jorrando o líquido vital.

Os anos que se seguiram foram cruciais: a ferida cicatrizou apesar dos pesares. Hoje, quando ele lembrava daquele dia o que lhe invadia o peito não eram mais a agitação, a instabilidade... hoje ele entendia a serenidade que ela queria lhe passar. Agora ele sabia que era capaz. Apesar de ainda não acreditar inteiramente nisso ele sabia que ela estava lá em cima, entre as nuvens, a olha-lo e a cuida-lo. Vez por outra ele ainda se sentava na varanda afim do vento lhe esfriar o café e entre abrir a porta, tudo para ele sorrir de canto e saber que ela estava ali, dentro dele, assim como sempre esteve.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Tempestade

Se encarou no espelho vendo que as olheiras pareciam ter fincado raízes em sua face. As marcas de expressão, as rugas que já se desenhavam na testa diziam, gritavam, que seu tempo já estava passando e não teria muito mais tempo depois desse tempo que passa. Sorria com a certeza inevitavel de que depois desse tempo passado quase nada mais a prenderia ali. Era a forma como se afastaria. Quando o tempo passasse juntaria o pouco que tinha e iria em rumo desconhecido. Talvez andares abaixo, talvez milhas distantes, talvez lugar nenhum. Aqui mesmo. Um clarão entrou pela janela. Um raio. Instintivamente contou os segundos afim de ver onde o raio caía. Nove segundos. Três quilometros. Tinha aprendido isso quando ainda era criança e nunca mais havia esquecido. Suspirou deixando sua "cópia mal-feita" presa ao espelho. Apagou as luzes do banheiro e seguiu pra sacada. Se sentou na exata divisa entre a sala e a pequena varanda do apartamento em que morava. Desejou um chá pra espantar esse friozinho que sempre acompanhava as tempestades. Preferiu ficar ali. Inerte. Sem expressão, tentando não pensar em nada. Mas até pensar em nada é pensar, não é? E o tempo ia se findando. Se firmando. A chuva perdurou algumas horas. Assistiu quase tudo. Quem sabe ao fim dela não tomasse o impulso necessário? Engatinhou até o tapete e se deixou deitar ali. E ali ficou. Adormeceu coberta pelos clarões dos raios e os sons e cheiros que só uma boa tempestade pode causar.