quarta-feira, 31 de julho de 2013

Refrão de Bolero

Os dias depois daquele último beijo os dias tinham sido terriveis. Eles nunca haviam terminado propriamente dito. Não teve aquela briga violenta onde pratos voam, roupas são jogadas pela janela. Apenas foram rareando os encontros. Ele, por motivos alheios à sua vontade tinha se mudado para outra cidade. A casa era menor, porém o clima era mais ameno e havia uma laje de onde se podiam olhar as nuvens - A forma secreta que conversavam - e as estrelas. O acontecido era semelhante à uma fogueira que não se alimenta: aos poucos ela vai rareando, ficando menor até se apagar completamente. O quê outrora era luz e calor. Hoje eram trevas e frio. Frio.

Naquela noite não queria ficar no frio e na escuridão da casa. Suspirou caminhando até o portão o trancando. A motocicleta na garagem. Algumas caixas ainda residiam ali por pura falta de onde colocar tudo. Ao menos estava protegido da chuva. Algumas revistas e coisas que não tinham tanta importância ou necessidade de estarem guardadas em um local mais específico. Um carro passou lento, vidros abertos rumando para aquele bar. Não queria pensar, seguiu a rimar, foi ao bar. O lugar parecia aquecido. Entrou e se sentou em uma mesa ao fundo. No pequeno palco havia um teclado, um microfone e uma banqueta. Pediu um vinho barato, daqueles que esquentam. Doces demais.

A luz diminuiu gradativamente e uma voz grave anunciou a atração. Uma pianista. Olhou rapidamente em volta, muitas pessoas bem vestidas, roupas caracteristicas de uma época mais antiga. E ele de calça comum, camisa comum. Claro, haviam pessoas vestidas com trajes atuais. Mas um grupo que estava proximo do palco estava com trajes dos anos cinquenta. Assim que a moça entrou - trajando um belo vestido de noite, desses que ninguem compra, apenas aluga - saudou os presentes e se sentou ao piano. Na terceira música ele já estava embriagado, não só pelo vinho pobre, mas pela música, pela voz da jovem, que, dificilmente, teria mais de vinte e dois anos. Embora a maquiagem tentasse, em vão, dizer que ela era mais velha.

Ao fim da apresentação ele a chamou para dar os parabéns por tal performace. Ela, visivelmente envaidecida, agradeceu. A refeição fizeram ali. Beberam outro vinho, mais encorpado, mais caro inclusive. Estavam conversando quando um amigo a chamou. Ele sorriu ciente de que sua compania iria embora. Roeu o canto da unha do dedo minimo, puro vício. Enquanto se distraiu com a propria mania ela voltou. Cantarolou "frágeis testemunhas de um crime sem perdão" e se sentou novamente à mesa com ele. Retomaram a conversa. Ela tinha fala fácil, conversava, contava histórias como se fosse uma cigana dessas que leem mãos pela rua.

Conversaram até tarde da noite. Foi quando veio a proposta, a principio inocente, motivada pelo bar que iria fechar: continuar a conversa em outro lugar. Ela morava em um bairro distante. Ele morava a poucas quadras. A escolha foi um tanto quanto óbvia. Passaram a noite juntos. Cantarolaram diversas músicas. Contaram cada qual sua história, suas feridas, suas dores, suas alegrias e amores. Acabaram atraídos um pelos lábios dos outros. Havia uma dor muito grande nela que ele não havia conseguido chegar. Ao vê-la sair da cama e procurar pela bolsa ela pediu um local para fumar. Péssimo hábito. Triste sina. Ele indicou a laje enquanto iria preparar o café. Enquanto preparava o café se perdeu no pensamento, apesar dos amigos, ela parecia tão sozinha, parecia que era a personificação da solidão dele. Quando ela voltou tomaram café, combinaram de se ver novamente mais tarde. Ele, antes de sair para o trabalho, checou o celular. Nada. Nenhuma mensagem. Jogou o aparelho no bolso e saiu, sem ideal nem esperança.

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