terça-feira, 15 de outubro de 2013

Pão Francês

Faziam algumas semanas que ele não encontrava uma padaria decente no seu bairro. A cidade nova era boa de se viver, o ar era mais tranquilo, a praia ficava a poucos minutos de moto, os pores-de-sol eram infinitamente mais coloridos e a pianista havia entrado em sua vida, ele não saberia dizer se entrado para ficar, mas, como diria um de seus poetas preferidos "que seja eterno enquanto dure". Pensar nessa frase lhe fazia pensar nela... foi eterno enquanto durou. Quer dizer, isso se tivesse realmente acabado. Aquela SMS enviada após a noite de trovões em que sua mente se encontrava era o quê seu coração sentia, ainda a amava, claro, mas era melhor se manter afastado por algum tempo, tal qual a música do skank "Em paz eu digo que eu sou, o antigo do que vai adiante, sem mais eu fico onde estou, prefiro continuar distante"... Mas, na sequencia da playlist vinha outra frase que ecoava em sua mente "... e quando o sol se inclinar, eu posso por uma toalha e te servir o jantar...". Jantar. Ontem não havia comprado pão, a padaria do bairro era terrivel, a melhor era uma quase do outro lado da cidade, próxima da praia. Olhou o relógio, checou a carteira. Deu de ombros pegando as chaves e indo até a garagem. Colocou a jaqueta de couro, o capacete, trancou a casa e saiu.

A estrada seguia parecida com dois meses atrás. A pianista encontrava-se em um congresso de um mês sobre pianos. E ele tinha pequenos trabalhos a fazer, a grande maioria deles já havia sido feitos e um de seus antigos clientes o tinha chamado. Ele, sem querer recusar e sem saber se poderia aceitar, disse que assim que estivesse na cidade daria um toque ao tal cliente. Na superficie de sua mente era esse o motivo de estar viajando as mais de cinquenta milhas entre sua casa e aquela cidade. Se fechasse os olhos sabia onde seu GPS mental o levaria, por isso permaneceu de olhos bem abertos. No caminho resolveu parar e almoçar, enquanto almoçava tratou de negocios com o cliente. A tarde o trabalho transcorreu mais rápido do que ele planejava. Antes de sair do lugar deu uma rápida olhada pra cima como se perguntasse "estas me mandando um sinal?". Como a resposta dela nunca havia sido mandada ele pensou mil coisas, menos a mais óbvia, que talvez ela estivesse sem créditos no celular para responde-lo.

O sol se arrastava lento para o horizonte, na direção das montanhas que, aqui, eram feitas de concreto até onde a vista se alcançava. Decidiu se permitir e ir até lá. Tinha de ir. Era sua obrigação. Mesmo depois de tudo o que aconteceu sentia falta daquele lugar pequeno, não tão calmo, não tão limpo, não tão perfeito, mas ainda assim era a melhor padaria que ele conhecia. Ao estacionar na frente da mesma olhou de relance o prédio dela, no fim da rua, ele seguia com o mesmo tom salmão meio desbotado pelos anos... provavelmente daqui não mais de dois anos alguem mandaria pintar afim de tornar o edificio mais valioso e, quem sabe, aumentar o condominio, melhorar a reocupação, pois muitos haviam se mudado para outros apartamentos mais bem localizados, maiores, com as paredes mais grossas e prestações menores. Maldita espucalação imobiliaria.

Se sentou ao balcão. O lugar seguia identico ao que se lembrava. Olhou rapidamente em volta temendo vê-la. Ela não estava aqui. Sorriu quando o dono do lugar se aproximou dele e o cumprimentou. Conversaram por bons dez minutos, ele pediu um queijo quente e uma soda nesse meio tempo. Ao primeiro pedaço de pão com queijo derretido descendo pela garganta dele um misto de felicidade e saudade o inundou. O quanto ele estava com saudade daquilo! O sol se afastou mais na direção do horizonte, foi então que ele sentiu um perfume conhecido. Aquele perfume que ele havia dado para ela anos atrás e ela tomou por "... meu 'cheiro' daqui pra frente.".

Ela olhou, ele olhou. Ela sorriu, ele sorriu. O sorriso dela se alargou, o sorriso dele se alargou. Ela corou suavemente, ele corou suavemente. Apesar de estar cheia, a padaria tinha dois bancos vazios: um próximo do banheiro, que praticamente ninguem sentava-se nunca e outro, onde ele, intuitivamente, havia posto o capacete. Ele tirou o capacete, ela se aproximou, ele se sentiu um adolescente que via aquela menina de que ele sempre foi afim e ela vinha pedir ajuda com alguma matéria que ele sabia. Ela sorriu. Estava num vestido solto, desses de verão, com borboletas desenhadas no tecido, nos pés uma sandália com um salto baixo, provavelmente ela veio apenas buscar pão, como sempre. Ela agradeceu e se sentou ao lado dele. Os olhares se cruzaram. As mãos dele que, até então, estavam sobre o balcão, agora estavam entre "vou pro colo" e "fico aqui", no fim elas acabaram ficando como se grudadas ao balcão. A mão esquerda se precipitou aproximando-se da dela, que pousou no balcão com tamanha graça e elegancia que parecia ter asas nas pontas dos dedos que frearam ao máximo o pouso. No inicio o assunto foi o clichê "como tem passado?", depois o assunto foi se prolongando, conforme a noite tomava seu lugar no céu e a lua brotava no exato oposto de onde o sol havia pego o rumo para o Japão. Aquela noite prometia ser longa.