sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sarjeta II

E agora? Pensa, pensa. Quem sabe as roupas daquela anta coubessem nela. Apesar do alcoolismo estar presente nunca manti a casa bagunçada. A faxina era rara, é verdade, mas ainda assim haviam faxinas periódicas. A deitei em minha cama e, com uma toalha molhada limpei o rosto dela. Bonita. As roupas estavam inteiras, um pouco sujas da sarjeta, mas ainda assim limpas. Assim que abri a bolsa ela abriu os olhos. Ótimo. Nenhuma lesão na cabeça. O celular dela tinha senha. Documentos enfim. Helena e... ela pediu água. Servi. Enquanto ela bebia ofereci uma ducha e carona até em casa. Ainda que eu não tivesse carro podia dar um chute na porta da bicha e pedir o dela. Pedir não. Chutava a porta, colocava a pistola na cara e ia pegando a chave. Depois devolvia, ou não, tanto faz.

Ela aceitou pedindo desculpa. No armário tinham toalhas limpas que trouxe da lavanderia ontem, deu sorte. Pensando um pouco fechei a porta e me sentei na sala abrindo uma cerveja. Não parecia uma riquinha, parecia só uma garota assustada que confiou em amigos e esses amigos que devem ter bebido tanto quanto ela a esqueceram por ali. Faz parte. Eu mesmo já esqueci e fui esquecido por companheiros no balcão do bar, na sarjeta... até mesmo na frente da corporação. Bons tempos. O delegado me jogou pra dentro, deu um café amargo e pronto, eu estava pronto pra ação. Hoje em dia nem dirigir bebado podia mais. O mundo estava, realmente, acabando. Maldição.

Nem quinze minutos se passaram a moça, praticamente uma menina, saiu do quarto com as mesmas roupas que chegou. Quinze minutos e eu tinha matado quatro cervejas. Forte abraço pros alcoolicos anônimos. Não consegui ficar mais do que cinco minutos lá sem querer socar a cara de alguem. Melhor pra eles eu ter saído. Ela se aproximou receosa, claro. Prudência e água de coco não fazem mal a ninguem. Falei que era da policia, mostrei o distintivo, contei um trecho curto da minha história de vida. Pulei as partes chatas e só falei das coisas legais, tipo pegar bandido, dar tiro em pneu de carroo... essas babaquices que acham que policial faz.

Apesar de parecer emocionalmente instavel ela parecia boa pessoa. Boas pessoas também tem dias ruins. Ela se sentou no sofá ao meu lado e contou sua história. Brigas na familia, perda de pessoas queridas. No suprassumo de qualquer pessoa tinha problemas com familiares e perda de pessoas amadas e acabava descontando isso de alguma forma. Drogas, alcool, auto-mutilação chegando ao ápice do suicidio. A vizinha crentelha devia pregar que isso era pecado. Tanto pecado quanto ela não respeitar os outros com sua ladainha irritante. Ela é outra que merecia um belo de um disparo de 357 no meio da cara. Mas com ela preferia não arriscar, afinal vai que o senhor dela me ferra ali mais pra frente? Tomar tiro, apesar de ser bonitinho na TV, doi pra caralho.

Assim que ela se recompôs disse que tinha que ir e ficava resmungando baixinho que o pai dela ia matar ela. Não duvido. Eu mataria se fosse minha filha. Mas essa coisa de porre é coisa da idade, é daquelas experiências que todo mundo tem que ter na vida pra aprender como é e ver se gosta ou não. Eu, particularmente, gostei. Assim que saímos do apartamento caminhamos devagar até o sexto andar. Bati educadamente na porta e pedi que Helena esperasse um minuto. Vinte segundos e voltei com as chaves do carro e três notas de dez. No caminho achei prudente parar em alguma lanchonete e comer algo. Passavam das quatro e meia quando paguei. Um café pra viagem. Amargo.

Sendo guiado por ela chegamos a uma rua tranquila, algumas árvores, calçada bem cuidada, varrida, muros sem pichação... esse bairro era um dos menos violentos da cidade. A indicação da casa me fez parar em frente à um pequeno sobrado com pintura começando a descascar na parte próxima da janela da direita. Uma frondosa árovre dava o clima de casa do interior àquele pedacinho de tranquilidade. Ela agradeceu e já soltava o cinto de segurança quando puxei do bolso meu cartão. Pro caso de encrencas com a familia os pais dela que me ligassem. Se ela precisasse eu livraria a barra dela. Voltei pro meu muquifo. Devolvi as chaves pro vizinho e fui direto pra cama. Pensar nela me trouxe a lembrança de minha filha. Amanha ligaria pra ela. Quem sabe nas férias eu não visitava ela? Assim como minha pequena, Helena ainda tinha a vida inteira pela frente. E eu, tecnicamente também. Sorri satisfeito. Dormi como a muito não dormia. Dormi tranquilo e sereno.

Nenhum comentário: