sábado, 15 de fevereiro de 2014

Universo em Criação

"Trovões no céu, um corpo ensanguentado no chão e no ar o cheiro de polvora completava o ambiente hostil...". Não. Janaina amassou a folha assim que terminou a frase a atirando ao lixo em seguida. Pensou por um instante em seguir os conselhos de sua amiga Helena e escrever no computador, afinal, no computador é mais "ecologicamente correto". Mas sempre que ela se sentava em frente à máquina ela fazia mil outras coisas e não tinha a concentração suficiente para escrever. Por isso ainda optava pelo papel e lápis - caneta não tem sentimento, lápis, grafite, sim, ele tem sentimento.

Bem dizem que, quando se pensa em uma pessoa, ela acaba aparecendo de alguma forma ou de outra. No visor do celular que tocava aparecia o nome "Helens". Era Helena. Por um instante deixou o aparelho tocando e se lembrou de quando tinha colocado o número da, então sua nova amiga, na agenda. Janaina andava em uma fase meio infantil, havia achado alguns videos antigos dos trapalhões, onde o, finado, Mussum, dizia toda hora as palavras terminando em 's'. Enfim atendeu. Helena queria convidar a amiga para sair, beber... essas coisas que a idade sempre convidava. Janaina, a principio não queria, mas pensou que, assim, poderia ter 'a' inspiração e escrever seu livro de histórias de terror, ficar famosa, rica, dar entrevistas, ganhar premios. Tanta a viagem que sua mente fez que ela acabou sorrindo sozinha enquanto pensava o que vestiria, antes mesmo de desligar o celular.

Não fez grandes escolhas de roupa, não precisava disso. Era naturalmente bonita, cabelos pretos, um corpo esguio com curvas definidas. Unhas parcialmente roídas - sobretudo a do dedo mínimo - e pouca maquiagem completavam o visual. Talvez fosse hora de assumir algumas coisas na vida, ir ver o mundo além dessa cidade. Olhou a caixa de joias que um dia foi de sua mãe. Sorriu passando a ponta dos dedos por sobre os brincos, anéis, correntinhas... não ousava usa-las, não com as taxas de roubos altas como andavam. As peças valiam mais do que o financeiro, eram parte de lembranças. No canto da penteadeira onde repousava a tal caixa de joias havia uma foto de seus pais. Faziam alguns anos desde que aquele acidente havia tirando eles dela. Herança nenhuma a consolou totalmente. Decidiu sair da cidade onde morava - no litoral de Santa Catarina - e vir para a tal cidade grande. Tinha de afastar algumas lembranças ruins. Vendeu a casa, os dois carros, já tinha idade pra viver sozinha, beirava os vinte anos quando se mudou.

Já tinha concluído o colegial e esperava por algum lampejo de ideia de algum curso de faculdade que poderia cursar. "Letras" diziam muito à ela. Não servia pra professora. Até gostava de letras, mas a ideia de lecionar lhe causava arrepios. Enquanto isso administrava alguns fundos que rendiam em bancos e alguns imóveis alugados em São Paulo. Não rendia muito, é verdade, mas dava pra levar o estilo de vida que Janaína tinha. O armário era com poucas roupas caras, a grande maioria era comprada em brechôs, lojas populares... e era uma dessas roupas mais simples que usaria. Helena, ao contrário sempre se vestia muito bem e haveria de reclamar da amiga vestida igual uma hippie. Uma hippie? Não, ela não se via assim. Era despojada e tinha seu proprio estilo de vestir. Maquiagem feita - apenas realçando os lábios e olhos - Janaína saiu trancando a porta atrás de si.

Desceu os lances de escada até a rua e já podia ouvir Helena vindo em um vestido azul-marinho, drapeado da cintura pra baixo, parecido com aqueles dos anos cinquenta. O cabelo displicentemente presos mas fugindo com o vento que cortava a rua. A maquiagem dava a amiga alguns anos a mais do que realmente tinha. Se abraçaram e caminharam na direção de uma rua onde haviam alguns bares, restaurantes. Por irônia ou por destino mesmo, encontraram alguns conhecidos, amigos, conhecidos de amigos e juntaram várias mesas. Janaína morava perto, então não precisava de carro para ir embora e, Helena, caso precisasse, dormiria com ela.

A reunião de amigos que, no começo, era regada a cerveja, batata frita e petiscos diversos, agora tinha uma garrafa de whisky caro rodando de mão em mão. Todos beberam, ao menos, três doses. Helena era uma das mais animadas, já havia bebido sozinha três latas de cerveja e agora estava na quarta do destilado escocês. Quando Janaína sentiu seu limite ela simplesmente parou de beber, não gostava de se sentir bebada, não na rua. Em casa gostava de beber afim de buscar alguma inspiração. As horas passavam e o grupo foi diminuindo. Cada um que saía jogava uma nota de vinte reais pra pagar a conta que, a essa altura, já passava de duzentos reais. Dinheiro não era problema, era a solução.

Janaína bem que tentou levar Helena consigo, mas ela dizia que voltaria com um vizinho, amigo seu. A morena, a principio, não levou muita fé, mas, devido a insistência da amiga, deixou-a ali e saiu a francesa para seu esconderijo. O dia seguinte prometia alguns negocios com aquela empreiteira que havia comprado a casa onde morou. O prédio que subiria ali teria uma dúzia de andares, belas colunas e dois apartamentos de Janaína, pra ela fazer o que bem entendesse. Entrou em casa decidindo que os alugaria. Tomou um banho rápido e se deitou. No dia seguinte tratou de seus negocios - ganhou uma boa quantia. Ao voltar pra casa sua amiga Helena estava sentada ao pé da porta, uma pequena mochila em seus pés e com uma grande história que começava na sarjeta, se desenrolava com extrema sorte e terminava com ela ali no tapete.

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