quinta-feira, 26 de junho de 2014

Trem

Muitos sempre disseram que o fim era algo melancolico. Claro que, entre eles, essa melancolia de fim existiu. O romance deles respirou com a ajuda de aparelhos por vários meses - mesmo ele sendo a favor de, em caso de sofrimento do paciênte, que se desliguem as máquinas de uma vez por todas - até que, enfim, tudo se esvaiu. O poder de existência que mantinha aquela pequena fagulha ainda acessa se evadiu. Sem alarde, sem um porque, sem uma razão. Apenas subiu no trem - porque não há, em toda a literatura forma mais definitiva de ir do que um trem, aquele lento sacolejar de vagões, aquele desaparecer em uma curva e depois o som do motor da locomotiva se dissipando é algo que outras formas de despedir nunca são ou serão tão belas e definitivas que o trem - e foi-se.

E, então quando o trem se vai, quando aquele sentimento que, sim, existiu e foi vivido ao extremo da palavra viver se extingue fica, claro, um vazio. Claro que ela se virava em sorrisos e, a seu modo, seguia adiante e ele, também a seu modo, se virava e tentava tapar aquele buraco fundo. Obviamente uma colher de chá para tapar uma cratera há de demorar algum tempo... a menos que, claro, alguem apareça com uma retroescavadeira ajuda muito.

Então o silêncio se fez, nunca mais trocaram uma palavra. Não havia necessidade. Ele tinha conseguido o endereço dela, mas... ela tinha o endereço dele e nunca foi atrás dele. Então por que ele iria? Claro que várias vezes ele se pegou parado em frente do novo endereço dela. No começo ficou uma hora, depois menos e menos até não ter mais a necessidade de ir até lá. A prima dizia que era assim que livrava de vício. Teria sido ela um vício pra ele? Um lento suspiro e ele chegava a conclusão de que não. Um sentimento, um amor nunca era um vício. Vício denota um tom pejorativo e o que eles tiveram não foi pejorativo. Houveram alguns momentos ruins, claro, mas... era assim mesmo.

As lembranças vinham com uma música no rádio. Com alguma imagem, porém... vinha um sorriso de canto e uma lembrança boa. Apenas isso. Seu foco agora era outro, provavelmente o dela também. Assim era a vida, fosse isso bom ou ruim. Para ele, pelas lembranças serem boas - as ruins fez questão de esquecer - gostava de lembrar e, vez ou outra, olhava para aquela caixa de sapato em cima do armário e relia algumas cartas. Viesse quem viesse, fosse a mulher que fosse, se falasse qualquer coisa em "jogar fora aquele monte de velharias" colocava-a para correr. Aquelas eram as lembranças boas que ele nunca iria esquecer. Até o dia que apareceu uma que, curiosa com a caixa, bisbilhotou e achou lindas as lembranças que ele guardava e compartilhou as suas. Seria esse som ao longe um novo trem que apitava entrando na estação?