quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Número Desconhecido

Tinham se passado vários meses e algumas semanas desde que ele, ou por cansaço ou por falta de vontade, havia deixado de procura-la. Não tinha sido uma decisão fácil ou tresloucada, pelo contrário: ponderou muito antes de tomar esse caminho. Porém decidiu, unilateralmente, que era melhor para ambos se ele se afastasse em definitivo. A verdade é que, com cérta lábia, havia conseguido o novo endereço dela. Várias vezes saiu para lá mas pegava o primeiro retorno na estrada e voltava para casa.

A vida seguia seu fluxo tal qual rio que passa por debaixo de uma ponte. Seus esporádicos trabalhos bancavam a vida que levava e os poucos colegas de faculdade lhe davam a diversão de que precisava. Sentia falta dela? Claro que sentia. Chegou a guardar o porta-retratos em que ela, a extremo contra-gosto, posou pra foto com os cabelos cacheados. Em sua mesa não haviam mais fotos. Apenas um outro papel e muita bagunça organizada da forma que apenas ele compreendia.

Passou a sair nos sábados e tornar pra casa apenas nas primeiras horas de domingo. Bebia dentro do seu limite, comia dentro da sua saciedade, festejava dentro do seu bolso. Vez ou outra tinha algumas lembranças dela (sobretudo quando olhava para a Lua) porém era algo que logo passava e se esvaía no ar. Não faltava material humano para fazer-lhe esquecer dela. Esquecer não, mentalmente riscou esquecer. Para fazer supera-la. E estava tendo êxito.

Em uma noite em que não tinha nenhum programa na televisão ou aula na faculdade decidiu procurar pessoas em sua rede social, numa dessas encontrou a pianista. Conversaram por horas a fio, conversavam por mensagens no celular boa parte do dia. A pianista dizia estar bem estabelecida na Bélgica e não tinha planos para voltar... ele viajava nas fotos que ela enviava. Paralelo à isso problemas familiares com a prima o trouxeram de volta ao seio familiar. Assim a vida seguia até o fatídico dia em que seu celular se jogou ao chão. Nunca mais o aparelho deu sinal de vida. Acabou comprando outro aparelho, porém a agenda se perdeu. Aos poucos foi recuperando alguns números e deixando outros sem querer saber de atualização.

Em um dos sábados que não teve vontade de sair - parte pelo frio, parte por preguiça - ele se deitou na laje vendo o sol se por e as estrelas brotarem no céu. As luzes da cidade frustravam um pouco a visão dele mas, ainda assim, podia tentar recitar o Soneto XIII de Bilac, lembrava-se da música do kid abelha, mas o poema em si esquecia de um ou outro verso. Foi quando o celular, igualmente deitado ao lado dele, acendeu apagando em seguida. Uma mensagem. Olhou a hora. A pianista devia estar dormindo a essa hora, a prima deveria estar em casa... deveriam ser alguns dos colegas o chamando para sair. Deixou suspensa a leitura da mensagem enquanto pensava se estava afim de sair. Puxou pela lembrança quanto dinheiro tinha. "Por que não?". Alcançou o celular. "Esta em casa?" questionava a mensagem de número desconhecido. Tentou lembrar de quem era o número. Não, nenhuma lembrança. "Quem é?" Respondeu, voltando as suas lembranças de Bilac. "... E ao vir o sol, saudoso e em pranto, inda as procuro pelo céu deserto..."