quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Álibi II

Dizem que, depois da primeira vez, a seguinte é mais fácil. Não que a primeira vez de Sophia tivesse sido difícil, atraiu o alvo para onde ela queria, teve todo tempo que quis, até mesmo os álibis que nem precisava obteve. Tudo isso deu a confiança que ela queria para continuar com sua obra. Obra? Por um instante parou e pensou se o quê fazia era uma obra ou apenas uma faxina social. Desde aquela aula que soube que ninguem era preso por muito tempo e crimes de natureza sexual tinham pouquissimas denúncias por vergonha das vitmas ela tinha colocado na cabeça que tinha de fazer algo.

Seu noivo sempre disse isso, se ela colocava algo na cabeça ninguem conseguia tirar. E isso, convenhamos, era pouco ainda. Dessa vez o planejamento foi algo mais de última hora, sem tantos planos. Havia criado uma escala de dificuldade. Tinha feito uma vez e gostado da sensação. Do excesso de adrenalina na corrente sanguínea. Muitos fariam algum esporte radical, mas Sophia havia descobrido outra forma de esporte radical. Sabia que, se começasse e fosse muito afoita em agir, logo a pegariam. Por isso nos seus planos a meta era um por mês.

Afim de confundir alguma eventual investigação decidiu inovar: um mês e um dia. Esse seria o intervalo. Fazendo isso teria tempo de pesquisar sobre o alvo, conseguir alguma informação mais relevante e que facilitasse um pouco o serviço. Claro que teria que ser de maneira discreta. Mas, seu relacionamento com Sérgio, tinha acesso fácil na delegacia e conseguiria ver o quê precisava. Isso lhe pouparia tempo, ela teria tempo para criar eventos que justificassem sua ausência nos lugares onde deveria estar.

Com esse alvo não teria alguns contratempos que teve na vez anterior como o cabine do banheiro ser, relativamente, pequena. Agora seria num local aberto, um parque sem vigilância, às margens de uma rodovia com pouco movimento e no meio do caminho entre a faculdade e cidade vizinha onde tinha alguns amigos que podia visitar e, usar a boa desculpa do trânsito pra justificar a demora no deslocamento.

Usou de seus dotes de atriz. Fingiu ser mais nova que a filha de Sérgio que estava no auge dos seus dezesseis. O alvo não desconfiava dela. Achava que era mais uma menina que caiu em sua lábia. Para Sophia era a mesma coisa: ele caiu na sua lábia. Marcou o horario em uma das estradas vicinais que davam para a rodovia, dez quilometros adiante. Na fantasia do contato on-line disse que uma tia tinha uma pequena fazenda ali e que ela tinha as chaves. O idiota não desconfiava de nada. Como haviam ônibus periódicos ela dizia ir assim. Ele acreditou. Minutos antes da hora marcada ela estava a postos na casa abandonada que não devia ver seus donos haviam vários anos. Um riacho passava atrás. Se a casa havia sido abandonada era por algum motivo. Sophia investigou tudo, sempre com o cabelo preso e as mãos cobertas por luvas cirurgicas brancas.

Obviamente ninguem notaria que foi ali que ocorreu o ocorrido. Escondeu seu carro nos fundos da casa e se preparou, colocou uma roupa mais infantil, ficou atrás de uma janela vendo o carro do alvo chegar. Ele sorriu vendo-a parada ali. Ela sorriu vendo-o vir até ela. Ela disse que a porta estava destrancada. No instante que ele passou a porta ela mirou a espingarda no peito dele. Clemência ele pediu, disse que se entregaria e cumpriria pena. Sophia não ponderou nem um segundo o pedido dele. Um disparo seco no meio do peito. Distância média, uns seis metros. Calibre doze. O estrago não é tão grande assim. O sangue não jorra como nos filmes do Rodriguez ou Tarantino. O cinema era uma ilusão. Mas uma ilusão inspiradora. Talvez muita gente não saiba, mas o cartucho de uma calibre doze não é uma bala rígida como de outros calibres como o trinta e oito ou a nove milímetros, era apenas pequenas bolas de metal que rompiam a saída do cano numa velocidade considerável. Era como uma espingarda de sal do Nhó Lau, que disparava em formato dum spray, mas, ao invés de cloreto de sódio, havia sido trocado por chumbo. Ou qualquer outro metal que carregasse esse tipo de cartucho. Todo o planejamento culminou naquele instante. Os décimos de segundos entre o apertar de gatilho e o atingir.

O corpo caiu dando o último suspiro. Sophia calculou que o piso não seria tão dificil de limpar. A calibre doze havia encontrado na fazenda em uma primeira checagem dias atrás. As balas ela fabricou sozinha com tutoriais que havia encontrado no YouTube. Nessa primeira visita trouxe vários litros de água sanitária. Porém quando começou a arrastar o corpo notou que os projéteis não haviam atravessado o corpo, logo não sujariam o chão. Do ponto onde ocorreu até o riacho eram vinte metros. Com a destreza de quem já fazia isso haviam anos - ainda que fosse apenas sua segunda vez - colocou o alvo no tapete e o puxou até o pequeno mirante que apodrecia por falta de manutenção.

Antes de se desfazer das provas colocou no bolso interno do casaco do alvo um pequeno saco com algumas gramas de cocaína que conseguiu roubar de alguns colegas de faculdade. Sorriu por fazer duas boas ações ao mundo: livrar o mundo das drogas. Duas ações iguais, será que eram duas vezes ou em potência? Elevado ao quadrado? O rio vinha da cidade, por onde havia passado por diversos bairros violentos e com a "tradição" de jogar corpos mortos no rio. Era uma pena, mas esse não ficaria tão óbvio que tinha sido ela. Deu de ombros ao ver o corpo parar de rosto virado para baixo na água. Se seus calculos estivessem certos choveria o suficiente para aumentar a vazão do rio levando toda e qualquer prova. Restou o carro do alvo. Deu uma checada geral. Do porta-luvas tirou o documento do veículo. Alugado? A sorte sorriu para Sophia. Aquela estrava vicinal vinha dos tais bairros violentos. Tirou o carro da fazenda e o deixou alguns quilometros mais próximo da cidade. Ao voltar para a casa passou uma camada generosa de água sanitária no chão. Em dois, no máximo três dias, o cheiro desapareceria por completo. Jogou os frascos no rio. Tirou seu carro e rumou para a cidade. Tomou o cuidado de meter um prego no estepe afim de murcha-lo. Que álibi melhor que um pneu furado?

Ao chegar na casa dos amigos contou sobre o pneu furado e o jeito do cara que parou para ajuda-la. Ao fim de algumas horas resolveu voltar para sua cidade. Diminuiu ao passar por aquela estrada vicinal. Ela parecia idêntica a antes. Ao longe ela podia ver os raios se desenhando ao horizonte. Parou em um borracheiro já na cidade, próximo de onde morava e amigo de futebol nas quintas-feira de seu noivo, e consertou o pneu. Custou mais barato por ele e Sérgio serem amigos. Sophia pediu que ele não falasse nada para seu noivo. Tinha ido à um bairro um pouco barra-pesada entregar alguns documentos e alguem devia ter aprontado com ela. Ele pediu que ela relaxasse, coisas assim aconteciam, ainda mais com uma moça boa como Sophia. Ela agradeceu.

Assim que pisou em casa ouviu um trovão. E outro e mais um. Tomou um banho demorado, nas mãos usou sabonete esfoliante e hidratante. Preparou um macarrão à carbonara que ficou pronto no tempo exato que as chaves giraram no tambor da fechadura. Sérgio havia chegado. Sophia foi ao encontro dele, trocaram um beijo rápido enquanto ele dizia estar feliz que o cheiro que sentiu desde o começo do corredor era daqui. Antes que ela pudesse convoca-lo para a mesa ele correu ao banheiro dizendo tomar uma ducha apenas para tirar o suor do corpo. Cinco minutos depois ele estava à mesa onde ela servia o jantar e os primeiros pingos de chuva molhavam a janela. E a chuva forte prevista, afinal, veio.

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