sexta-feira, 24 de abril de 2015

Muro

Desde que Helena voltou pra casa, depois daquela temporada comigo o mundo tornou a acelerar, minhas aulas voltaram, um estágio surgiu o que acabou me afastando de Helena. Semanas depois recebi uma ligação, durante a aula, do pai dela me perguntando se eu sabia dela, que a situação havia se agravado... decididamente eu devia ter feito psicologia. Depois de alguns minutos falei que daria um jeito de ir até a casa deles no final de semana, quem sabe passar um dia inteiro lá. 

Claro que os novecentos e quarenta e oito trabalhos que eu tinha para fazer pra outra semana esperaria, afinal o que é uma nota frente a vida humana? Haviam dias de frieza, hoje era um deles. Botava a culpa na TPM - desculpa clássica das mulheres pra agir com grosseria - e ninguém questionava nada. Tirando as cólicas eventuais em que eu preferiria abrir minha barriga com uma adaga ritualística, invocar Satanás e vender minha alma pela menor oferta a continuar sofrendo de tanta dor, ser mulher tinha suas vantagens afinal. E, decididamente voltar pra sala, no meio de um seminário, sorrir de canto, arrumar uma mecha de cabelo atrás da orelha e sentar no meu lugar como se nada tivesse acontecido era incrivelmente vantajoso. Findado o seminário a semana correu depressa, depressa demais eu diria e logo era o dia de ir ao encontro de Helena. Pelo visto demorei pra vir, o muro parcialmente destruído e uma tábua fazendo de remendo demonstrava que algo grande havia acontecido.

E o que eu diria ou faria com ela? o que sera que havia acontecido? A julgar pela tranquilidade do bairro juraria que alguém deu uma marcha ré como não devia. O transito num sábado pela manhã era terrivelmente fraco, por isso cheguei dez minutos antes do combinado. Resolvi esperar a hora pensando em que fazer com Helena. Tinha um carinho imenso por ela, mas não conseguia organizar a merda do meu tempo pra vir vê-la com mais frequência. Ao fim dos minutos bati a campainha. O pai dela me recebeu com um sorriso amarelo e olheiras maiores que o canal de Suez. Me convidou a entrar, contou os fatos ocorridos nos dias anteriores e o quanto minha amiga tinha enlouquecido por causa, provavelmente, das drogas e o quanto ele, no desespero a internou numa clínica de reabilitação. No mesmo instante me veio a mente a musica da amy winehouse e seu rehab "don't go, don't go, don't go".

Ela ficaria lá por um mês até poder receber visitas. E eu o que faria? Ela sabia alguns segredos meus assim como eu sabia que as drogas eram os menores problemas dela. Outro problema surgiria: tinha o dia inteiro de folga, passei a sexta organizando um final de semana com Helena. Podia ceder ao convite dos pais dela de ficar e passar o dia com eles... nada contra gente velha. Mas convidaram por educação, inventei um compromisso de última hora e deixei os pais de Helena sozinhos, segunda feira mandaria alguém arrumar esse muro. Talvez fosse a única coisa que pudesse fazer agora por ela, além de torcer pra ela conseguir domar suas sombras.

Não que eu fosse eximia nisso. Mas se ela aprendesse a esconder tão bem quanto eu, talvez ela tivesse chance nesse mundo maldito. Esse era meu segredo, apenas ela sabia todos os temores e sombras que carregava em meu coração. No carro, voltando pra casa, pensei "e se ela falar sobre meu segredo?" Não aconteceria nada. Talvez fosse bom já me programar pra visita-la no final do mês. Talvez não, seria. Será.