segunda-feira, 29 de junho de 2015

Álibi IV

Bastaram alguns dias para que, na mente de Sophia, todo o plano se arquitetasse. Usou de um pouco de engenharia social para descobrir qual era o carro do tal professor. Com essa informação tinha como agir. Depois de um bilhete no para-brisa dele no qual ela dizia ter batido seu carro no dele e quebrado a lanterna ela o trouxe tal qual peixe que cai em rede de pesca para seu habitat: um canto distante do campus onde alguns alunos que moravam no campus deixavam seus carros e a iluminação era pobre.

Qual metodo usaria? Não tinha nenhuma arma consigo. Vasculhou o porta-luvas e achou um canivete, desses que se compra em lojas de quinquilharias. Checou a faca. Completamente cega, porém pontiaguda o suficiente para furar. Viu o carro do tal homem vindo. Não se lembrava do nome dele. Tinha de ser rápida, mais meia hora e levantaria suspeitas.

Assim que ele estacionou o carro perto do dela, Sophia saiu do carro jogando o cabelo de lado. "Olha, foi sem querer... eu posso pagar o conserto do seu carro...". Primeira parte concluída. Se fazer de vítma indefesa. O pato caiu na armadilha. "Claro meu bem, podemos negociar... o que acha de negociarmos aqui mesmo?" Soltou ele já com a mão sobre a braguilha da calça e um sorriso cínico nos lábios.

Escondendo o canivete Sophia concordou deixando que ele se aproximasse. Ela manteve o sorriso fino dando um olhar sutil a linha de cintura dele, como se tivesse entendido a indireta dele. Que sujeito nojento. Com a proximidade dele ela deu uma volta completa nele. Quando ele deu a brecha ficando de costas, ela o segurou pelo pescoço. Chave-de-braço. Mata-leão. Não importa o nome do golpe. Sérgio havia ensinado para ela em uma noite em que beberam vinho demais.

Em poucos segundos o professor perdia os sentidos. Lembrava que tinha, no porta-malas, alguns metros de corda de varal. Não era muito, mas seria o suficiente. Com cuidado checou o carro do professor. Muito material artistico, uma câmera fotográfica e alguns rolos de fita adesiva. Perfeito. O arrastou até um pilar de um dos prédios desativados. Seria ali. Colou a boca dele com uma meia e fita adesiva. As mãos e pés amarrados para trás. Agora era ele acordar.

Em questão de cinco minutos ele acordou com o olhar de pânico. Sophia se abaixou diante dele. Abriu-lhe as calças. O olhar dele se modificou. Tolo. Ainda achava que se tratava de um jogo. Quando a mão fria dela o tocou ele soltou um suspiro. O filho da puta estava gostando. Sem muitas opções cravou a pequena lâmina no escroto. Entre as duas bolas. Devia ter estudado anatomia. Errou todas as veias maiores. O pouco sangue que saiu mal lhe sujou a mão.

Se ergueu diante dele que agora retomou o olhar de pânico. "Gostando, meu bem?". O olhar de Sophia era de fúria. Por mais que Janaína não admitisse ele já havia dado em cima dela. Tal qual terrorista islâmico Sophia caminhou lentamente até ficar atrás do professor. Com uma mão na testa dele posicionou a lâmina no lado esquerdo do pescoço. Teria de fazer força se quisesse resolver isso logo. Um pequeno jorro se fez ao romper a carótida esquerda que levava sangue limpo ao cérebro. Ou seria a carótida direita que fazia isso? A segunda artéria se rompeu. O sangue manchou a camisa xadrês do dito professor. 

Não era como nos filmes onde o sangue jorrava vários metros para frente. No instante do rompimento sim, houve um breve jorro de sangue. Porém no instante seguinte o sangue começou a escorrer como em qualquer machucado. Mas com muito mais intensidade. Sophia ficou admirando o olhar dele ao perder seu liquido vital. Provavelmente ele não gritaria, se tivesse acertado o cálculo teria rompido as cordas vocais dele. O rosto foi ganhando um tom cada vez mais branco até ficar tão branco quanto a pintura que descascava lentamente no pilar. Deixou o carro dele aberto. Sabia que alguns bandidinhos locais passavam por ali vez por outra roubando carros. A chave estava na ignição. Com sorte eles sairiam com o carro e, quando descobrissem o corpo, o carro ou estaria em pedaços nas milhares de lojas de peças roubadas ou estaria no Paraguai, traficando cigarro falso.

Suspirou com a missão cumprida. Voltou ao seu carro limpando as mãos de sangue e jogando o papel em baixo dos bancos do carro. O que quer que fosse feito do carro os papéis sumiriam. No caminho para casa se livrou do canivete. Um dos vários riachos emcobriria seu parceiro por um longo tempo. Não precisaria ser eternamente. O suficiente já estava bom. Em casa o cheiro de macarrão ao sugo lhe entorpeceu. Apesar de pouca dor no pé Sérgio não deixou que ela lavasse a louça. Sophia buscou algum canal na televisão que mostrasse algo bom. No canal de filmes antigos achou o clássico de Hitchcock. Pacto Sinistro. Perfeito para encerrar a noite.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Prólogo - Álibi IV

Doença. Provavelmente até os melhores já passaram por isso. Aliás, doença, inclusive, já levou muita gente. E, com Sophia, não era diferente. Como dizia sua mãe que desgraça pouca é bobagem primeiro um resfriado que se tornou gripe e, graças aos cuidados de seu noivo Sérgio tudo não evoluiu para uma pneumonia ou algo mais grave.

Durante sua reclusão forçada acabou faltando aulas da faculdade. Todas as faltas seriam justificadas e todos os eventuais trabalhos seriam compensados de alguma forma. Era tudo que ela queria para voltar ao que considerava ser quase uma missão. Quando se preparava para voltar, fazer todos aqueles dossiês mentais que fazia de suas vitmas outra interpere cruzou seu caminho: um degrau pisado em falso e lá se ia o tornozelo esquerdo. Logo o esquerdo. O pé da má sorte fazendo mais uma das suas.

Por não conseguir repousar o tempo certo e temendo perder mais aulas e acabar reprovando em alguma disciplina Sophia forçava os passos, não tinha medo de caminhar pelos corredores do Fórum durante a tarde e pelos corredores da faculdade durante a noite. E de manhã mantinha a faxina do apartamento em dia. Sérgio quase brigava com ela por não conseguir parar quieta.

Ela não conseguia parar justamente por não poder fazer o que tinha planejado fazer durante aquele ano, se movimentar com coisas cotidianas lhe faziam espairecer. Já tinha atrasado o mês de abril, maio, junho e agora, em julho, tinha de retomar. Era sua tarefa. Nos dias que o tornozelo não a deixava caminhar muito fazia suas pesquisas nos bancos de dados da polícia. Buscava um novo alvo. Uma nova cena que pudesse dirigir por completo. Quando pensou nisso novamente a ideia de cena veio à sua mente. Será que ela não se daria melhor fazendo um curso de cinema? Talvez no verão. As leis eram sua paixão.

Apesar de reclusa na maioria do tempo, Sophia tinha lá sua cota de amigos na faculdade. Alguns amigos e algumas amigas. Habilmente escolhidos por inúmeras habilidades e por tons de afinidade em alguns assuntos e por tons de dissonância. Também tinha esse mesmo "cálculo" no estágio. O que, segundo pensamento dela, lhe traria alguma vantagem num momento oportuno. Fosse contato profissional, fosse o que fosse.


Dessa cota de amigos talentosamente selecionados uma amiga se destacava um pouco. Ela se dizia melhor amiga de Sophia e Sophia tinha lá sua dose de carinho por essa amiga. Não era grande a dose, se fosse possivel classificar entre números de um a dez, Janaína teria seus sete pontos e meio. E, por mais estranho que pudesse parecer, Janaína fazia um totalmente diferente. Ela cursava Publicidade. Viviam às voltas pelos corredores conversando sobre os mais variados assuntos. Desde Tolstói, Bukowski e Kant até receita de estrogonofe, cor de unha até marca de absorvente sem abas.

Foi em uma noite de animada conversa que soube de Janaína a existência de um professor que assediava alunas. Que abusava de sua autoridade como professor. Que agia arrogantemente. Como boa ouvinte Sophia prestava atenção nos relatos imaginando como seria bom se livrar desse cara. Já conhecia um pouco a má-fama do sujeito, mas nunca soube de algo além de soberba e um ego elevado.

(... continua na segunda)