segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Álibi V - Epílogo

Sophia considerou o dia bom. Tudo havia dado certo. Já tinha o próximo alvo em vista, era o que havia perdido no ranqueamento para o medalhão. A julgar pela altura e intensidade do fogo não teria problemas. Assaria ele sem deixar nenhuma prova intacta. Pena que não poderia usar esse local novamente. Mas adorava um desafio. Dirigia pela estrada de terra muito bem cuidada imaginando o quanto precisaria para atrair o novo alvo. 

Um local, uma premissa, uma situação e a atração. Faltavam duzentos metros e Sophia sentiu necessidade de acelerar, alguma coisa lhe causou estranheza. Olhou no relógio, três e oito da manhã. Às seis e quarenta e quatro Sérgio chegaria. Tocou o primeiro pneu no asfalto. Um farol passou por todos os retrovisores do carro. Da esquerda para a direita, voltando da direita para o centro e se fixando no retrovisor central.

Das duas uma: ou era um carro velho com um dos faróis queimados ou era uma motocicleta. Por essa ser uma rodovia estadual Sophia teve certeza que era uma motocicleta. Acelerou. Por dez minutos se distanciou do farol. Até chegar a um semáforo. Não podia tomar multa, não estava ali. Foi quando a motocicleta parou ao seu lado.

No guidão havia alguma coisa anormal, mas não era identificável com aquela condição de luz e ali dentro do carro. Uma câmera? Não. Não podia ser. Seja lógica, Sophia. Deveria ser uma daquelas antenas pra evitar linha com cerol. Perfeito. Era isso

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Busca Madruguenta

Apesar de ter vinte e sete anos eu sentia na pele raiva e frustração. Mais uma vez minha mãe não quis forçar meu pai a me apresentar meus irmãos. Meio irmãos na verdade, o pai era o mesmo mas a mãe era outra. E o mais foda nisso tudo era que morávamos em cidades vizinhas - porém na maior região metropolitana do país, vinte milhões de pessoas, o que tornava a busca um pouco cansativa e complicada. 

Depois de mais uma discussão que durou duas horas fiz o que fazia desde quando era criança: peguei minha moto e vazei dali antes de fazer alguma burrada. Claro que, quando era mais nova minha moto tinha apenas três rodas era fabricada pela Xalingo. Hoje era uma Hornet de seiscentas cilindradas. Uma psicóloga da escola - lá da época eu fugia com minha Caloi - dizia que eu fazia isso pra me distanciar dos problemas e, assim, de cabeça fria, os solucionar.

Por isso eu estava na rodovia duas e quarenta da manhã a cento e quarenta por hora. Queria fugir dos meus problemas. Eu, Alice, dona de minhas faculdades mentais, fugia dos problemas igual a quando era criança. Foi quando pensava nisso que ouvi um estrondo seguido de um cheiro de fumaça. Nessa parte da estrada não haviam casas ou algo do tipo. Obviamente diminuí a velocidade e vi sair de uma dessas estradas vicinais um carro em alta velocidade. Pude ver o modelo, a cor e veria a placa, se um calafrio não me corresse por toda a espinha. Deixei o carro se afastar, mas logo estava atrás dele, parada em um semáforo na entrada da cidade.

No volante uma moça, meio ruiva, meio loira. Agora que tinha reparado a câmera estava instalada na guidão da moto. Será que ela era minha irmã? Já pensou? As probabilidades disso ocorrer eram pífias e mesmo assim aproveitei que a câmera estava ali e filmei a placa e meio rosto de minha irmã. No final de semana iriamos pra uma cachoeira não muito longe daqui, passaríamos horas conversando e depois... o caminhão dos bombeiros passou na direção oposta me tirando do mar de pensamentos. Melhor ir pra casa.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Álibi V

Sophia se deparou com um pequeno dilema enquanto se programava para a próxima ação. Queria saturar as investigações de peças ao ponto que eles demorassem muito tempo para montar. Igual aquele quebra-cabeças de mil peças que ninguém teve coragem de tirar da caixa. Tinha duas opções. Queria chegar a oito. Teria de dobrar a quantidade que havia feito e tinha de ser até o final do ano. Sorriu de canto ao pensar em resolver o que deveria ter se programado para fazer durante o ano inteiro em pouco mais de três meses. Seria correria. Mas em outros tempos também não havia sido fácil cumprir essa meta. 

Ao fim de algumas horas de investigações chegou ao dilema que lhe havia feito pensar em tudo. Os dois mereciam que fosse ela a ceifadora. Mas qual deveria vir primeiro? Tinha de fazer um ranking. Não. Racionalidade. Era só o que precisava. Pensar em qual despistaria melhor a polícia. Por um instante ignorou o fato de seu noivo ser o encarregado dessas investigações. Se o tal de destino existia ele conseguia ser sempre cretino com Sophia. Tudo bem que ela procurou-o, ela o conquistou, mas aí ele ser o escolhido para investigar o que ela fazia? Era ironia demais.

Proximidade física. Esse foi o critério. Quanto mais longe dos lugares onde ela sempre estava, melhor. Aquela velha casa na estrada a caminho da cidade vizinha viria a calhar. Já faziam alguns meses, então ninguém mais peregrinaria ali. Aliás, ali não havia nada que valesse a investigação. O segundo havia sido achado duas dezenas de quilômetros dali. A princípio tinham dito que era um corpo desovado pelos traficantes de rio acima. Mas logo as investigações demonstraram que ele não tinha nada de suspeito para ter ido falar com traficantes. Logo ligaram ao primeiro e agora deveria haver um quadro com fotos dos corpos, ligados por pequenas provas que devia ter deixado cair ligadas por um fio de lã, igual aqueles seriados.

Mas repetir cena? Sophia bebericou um gole de café amargo enquanto ponderou em algo diferente. E se queimar a casa? Ela estava abandonada mesmo. Não. O fogo poderia se alastrar e queimar o que restou de floresta. Se ainda fosse lá no sul poderia jogar do penhasco. Aquela estradinha de pedra a caminho do litoral era perfeita. A neblina sempre escondia as ações. Fora que na volta poderia comprar deliciosas balas de banana. Suspirou longamente ao lembrar daquele pedaço de paraíso. Pensou se um dia conseguiria voltar lá. Teria de conseguir.

A ideia de queimar voltou. Por que não? Havia um grande gramado baixo, uma piscina rachada. Agora tinha de atrair a vítima. Não era difícil. Em um dos plantões de Sérgio, Sophia saiu com colegas de faculdade. Naqueles encontros duas coisas eram certas: haveria uma discussão ferrenha sobre pena de morte entre dois pretensos juízes federais e depois de quarenta minutos os pretensos promotores-com-olhos-de-águia ficariam tão bêbados que não notariam o sumiço nem da sua mão direita. Perfeito. Mentalmente riscou perfeito. Ela sabia que perfeição era péssimo.

Passados quarenta e dois minutos as oito pessoas da mesa apenas Sophia estava sóbria - ela tomou refrigerante de limão a noite toda. O alvo tinha o péssimo hábito de ir à um botequim conhecido pelas frequentes mortes por causa de jogo de cartas, sinuca, prostitutas, futebol ou qualquer outro motivo banal. Só não fechavam aquela espelunca por ela ser usada por conhecido vereador do bairro para lavar dinheiro de emendas públicas roubadas do povo. Tal vereador seria o último.

Após uma dose de tequila com o alvo atual. Que já havia matado meia dúzia de almas perdidas em álcool nesse e em outros botequins, Sophia o arrastou para o carro. No porta-malas haviam cinco litros de óleo diesel. Enquanto o homem achava que estava se dando bem por arrastar uma gostosa pro meio do mato Sophia pensava em como seria. Não tinha armas. Não queria estrangular. Enforcar muito menos. Por um segundo quis perguntar pra sua amiga Janaína se ela tinha alguma ideia. Afinal ela seria publicitária e publicitários tem ótimas ideias sempre.

Como era noite devia haver neblina. Perfeito. Ao chegar na pequena propriedade abandonada tudo estava mais ou menos no mesmo lugar. O mato havia crescido um pouco. Deixou o farol aceso mirando a piscina. Arrastou-o para lá. Certamente aquela tequila havia sido uma das várias bebidas da noite dele, ele estava completamente bêbado. Ao descer a pequena escada o deixou em pé. Caminhou por trás e lhe deu um mata-leão. Não para quebrar seu pescoço, apenas faze-lo desmaiar.

Se seu amigo instrutor de Jiu-jítsu estivesse certo uma chave de braço deixaria quem levou o golpe desacordado por uns dez minutos. Sophia se lembrou que na casa ainda tinham cortinas. Correu na casa, arrancou a primeira cortina que viu. Enrolou a vítima como um medalhão de frango é enrolado por bacon. No caminho de volta havia pego o diesel. Jogou todo o conteúdo sobre o medalhão. Fez uma pequena trilha enquanto se afastava e riscou um fósforo. 

Assim que o pequeno palito bateu no chão correu em direção do medalhão. Sem explosão. Apenas fogo e uma fumaça escura. Sophia havia saído de suas atitudes sutis. Fez um puta sinal de fumaça para a polícia. Por um instante de lucidez percebeu o quê fez. Odiou ter saído de controle. Por alguns instantes ficou admirando enquanto o medalhão acordava com seu corpo em chamas. Um minuto e todo o movimento cessou. O fogo não se espalharia. Na volta pra casa parou em um mercado vinte e quatro horas. Toda aquela ação a deixou com fome. Fome de besteira. Comprou medalhão de frango enrolado em bacon. Foda-se a dieta com pouca gordura. Amanhã era segunda-feira. Amanhã começaria a dieta. Ótimo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Álibi IV - Epílogo

Sophia estava particularmente mais irritadiça que o normal. Como assim será que ela sabia de algo? Agora porque um crime ocorre na sua faculdade ela é obrigada a saber? E porque diabos Sérgio pegou esse caso? Tudo bem que ele é bom investigador, mas aí a acharem que ele é o melhor para caçar o caso mais complicado dos últimos anos nessa cidade? Era demais. 

O pior era que, por mais que tentasse, Sophia não se recordava com clareza a totalidade de suas ações naquela noite. Lembra de ter escrito o bilhete e de, horas depois, estar em casa jantando. Aquelas duas horas e meia de lacuna sufocavam-na completamente. Na última vez essas lacunas levaram meses e duas dezenas de alvos para aparecer, agora estavam aqui. No quarto alvo. Em frente do espelho do banheiro embaçado ela se encarava. Era um vulto do que já foi? Não tinha a resposta. 

Tudo que precisava, agora, era se acalmar. Respirar fundo e pensar nas próximas ações. Sophia passou a mão no espelho o limpando. A imagem ficou clara. Assim como seus pensamentos para pensar nos próximos passos. Seu noivo a esperava no sofá, uma bacia de pipoca no colo e um filme engatilhado. Embora o conceito gatilho não combinasse com o filme que Sérgio havia escolhido. Nos poucos trechos que prestou atenção ao filme notou que era um daqueles filmes de ação que todo mundo assiste mas não há nada para se absorver. Só explosões e erotismo barato.

Naquela noite não dormiu direito. Ou melhor, nem dormiu. Ao ser questionada da insônia pela manhã culpou alguns trabalhos de faculdade e a TPM, a sempre melhor desculpa para qualquer coisa adversa que uma mulher podia dar.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Nem Tudo Muda

Depois de um certo tempo aprendi a ouvir as pessoas que moravam aqui. O vizinho do apartamento a direita tinha um passo rápido, levemente manco do lado direito. No apartamento da esquerda vivia um casal que sempre saía junto. Ela com salto baixo e ele com sapato macio que fazia aquele barulho de tênis novo no piso do corredor. Nos demais apartamentos os sons variavam conforme o dia. No andar de cima uma mulher, provavelmente já com mais idade, ia para a missa todo domingo de manhã. Quando estava voltando de algum lugar a ouvia sair. No andar de baixo havia uma familia onde o pai saía primeiro e depois a mãe levava as crianças para a escola, não saberia precisar a idade de nenhuma dessas pessoas apenas pelos passos. A ruiva certamente saberia isso.

Poderia compor uma música só baseada nos passos das pessoas. Seria interessante. Quem sabe até fizesse algum sucesso. Anotei a ideia para não esquece-la. Esquecer. Essa palavra me fez caminhar até a bolsa jogada no sofá e procurar os cigarros. Ah é, eu tinha parado. Meu vício se tornou outra coisa agora: café. Caminhei até a cozinha e fiz logo uma jarra completa de café. Nicotina da uma abstinência foda. Nada melhor pra superar um vício do que outro.

Estudar música me deixou mais atenta aos sons ao meu redor. Foi assim que ouvi a fechadura sendo destrancada por fora. Não pela chave. Mas por dois arames sobrepostos e um terceiro rodando a tranca. Dois. Quatro. Seis. Oito segundos. Foi o tempo que o invasor levou para abrir minha porta. Ou melhor. A invasora. Bem dizem que quando se pensa em alguem esse alguem aparece. Minha mãe diz isso. Por isso ela evita pensar em qualquer coisa ruim. É uma ideia interessante. Ela não levou nem quatro passos da entrada até a cozinha. Morar nesse apartamento pequeno era uma merda. Mas ao menos tinha dois quartos onde um deles se tornou meu pequeno estúdio, tinha uma visão lateral da Torre Eiffel e ainda estava a minutos do centro de Paris.

Não me movi. Não confiava nessa cafeteira sozinha. Foi assim que Elisa Stone parou no batente da porta da cozinha e perguntou se eu a tinha ouvido. Claro. Completei dizendo que na próxima vez ela podia bater na porta, arrombar assim pode não ser bem visto pelos vizinhos. Obviamente ela disse não ligar para isso. Ofereci um café. Ela preferiu um chá. Britânicos. Só agora vi que ela trazia um bolo pequeno, desses de rotisseria. A embalagem era da melhor rotisseria de Paris. A ruiva estava ficando menos mão de vaca com o passar dos anos. Bom saber que as coisas mudam com o tempo. Eu comecei como uma pintora e agora tocava em uma banda de rock. Ela começou como ladra e agora arrombava portas de artistas indefesas... é, nem tudo muda.