segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Álibi V

Sophia se deparou com um pequeno dilema enquanto se programava para a próxima ação. Queria saturar as investigações de peças ao ponto que eles demorassem muito tempo para montar. Igual aquele quebra-cabeças de mil peças que ninguém teve coragem de tirar da caixa. Tinha duas opções. Queria chegar a oito. Teria de dobrar a quantidade que havia feito e tinha de ser até o final do ano. Sorriu de canto ao pensar em resolver o que deveria ter se programado para fazer durante o ano inteiro em pouco mais de três meses. Seria correria. Mas em outros tempos também não havia sido fácil cumprir essa meta. 

Ao fim de algumas horas de investigações chegou ao dilema que lhe havia feito pensar em tudo. Os dois mereciam que fosse ela a ceifadora. Mas qual deveria vir primeiro? Tinha de fazer um ranking. Não. Racionalidade. Era só o que precisava. Pensar em qual despistaria melhor a polícia. Por um instante ignorou o fato de seu noivo ser o encarregado dessas investigações. Se o tal de destino existia ele conseguia ser sempre cretino com Sophia. Tudo bem que ela procurou-o, ela o conquistou, mas aí ele ser o escolhido para investigar o que ela fazia? Era ironia demais.

Proximidade física. Esse foi o critério. Quanto mais longe dos lugares onde ela sempre estava, melhor. Aquela velha casa na estrada a caminho da cidade vizinha viria a calhar. Já faziam alguns meses, então ninguém mais peregrinaria ali. Aliás, ali não havia nada que valesse a investigação. O segundo havia sido achado duas dezenas de quilômetros dali. A princípio tinham dito que era um corpo desovado pelos traficantes de rio acima. Mas logo as investigações demonstraram que ele não tinha nada de suspeito para ter ido falar com traficantes. Logo ligaram ao primeiro e agora deveria haver um quadro com fotos dos corpos, ligados por pequenas provas que devia ter deixado cair ligadas por um fio de lã, igual aqueles seriados.

Mas repetir cena? Sophia bebericou um gole de café amargo enquanto ponderou em algo diferente. E se queimar a casa? Ela estava abandonada mesmo. Não. O fogo poderia se alastrar e queimar o que restou de floresta. Se ainda fosse lá no sul poderia jogar do penhasco. Aquela estradinha de pedra a caminho do litoral era perfeita. A neblina sempre escondia as ações. Fora que na volta poderia comprar deliciosas balas de banana. Suspirou longamente ao lembrar daquele pedaço de paraíso. Pensou se um dia conseguiria voltar lá. Teria de conseguir.

A ideia de queimar voltou. Por que não? Havia um grande gramado baixo, uma piscina rachada. Agora tinha de atrair a vítima. Não era difícil. Em um dos plantões de Sérgio, Sophia saiu com colegas de faculdade. Naqueles encontros duas coisas eram certas: haveria uma discussão ferrenha sobre pena de morte entre dois pretensos juízes federais e depois de quarenta minutos os pretensos promotores-com-olhos-de-águia ficariam tão bêbados que não notariam o sumiço nem da sua mão direita. Perfeito. Mentalmente riscou perfeito. Ela sabia que perfeição era péssimo.

Passados quarenta e dois minutos as oito pessoas da mesa apenas Sophia estava sóbria - ela tomou refrigerante de limão a noite toda. O alvo tinha o péssimo hábito de ir à um botequim conhecido pelas frequentes mortes por causa de jogo de cartas, sinuca, prostitutas, futebol ou qualquer outro motivo banal. Só não fechavam aquela espelunca por ela ser usada por conhecido vereador do bairro para lavar dinheiro de emendas públicas roubadas do povo. Tal vereador seria o último.

Após uma dose de tequila com o alvo atual. Que já havia matado meia dúzia de almas perdidas em álcool nesse e em outros botequins, Sophia o arrastou para o carro. No porta-malas haviam cinco litros de óleo diesel. Enquanto o homem achava que estava se dando bem por arrastar uma gostosa pro meio do mato Sophia pensava em como seria. Não tinha armas. Não queria estrangular. Enforcar muito menos. Por um segundo quis perguntar pra sua amiga Janaína se ela tinha alguma ideia. Afinal ela seria publicitária e publicitários tem ótimas ideias sempre.

Como era noite devia haver neblina. Perfeito. Ao chegar na pequena propriedade abandonada tudo estava mais ou menos no mesmo lugar. O mato havia crescido um pouco. Deixou o farol aceso mirando a piscina. Arrastou-o para lá. Certamente aquela tequila havia sido uma das várias bebidas da noite dele, ele estava completamente bêbado. Ao descer a pequena escada o deixou em pé. Caminhou por trás e lhe deu um mata-leão. Não para quebrar seu pescoço, apenas faze-lo desmaiar.

Se seu amigo instrutor de Jiu-jítsu estivesse certo uma chave de braço deixaria quem levou o golpe desacordado por uns dez minutos. Sophia se lembrou que na casa ainda tinham cortinas. Correu na casa, arrancou a primeira cortina que viu. Enrolou a vítima como um medalhão de frango é enrolado por bacon. No caminho de volta havia pego o diesel. Jogou todo o conteúdo sobre o medalhão. Fez uma pequena trilha enquanto se afastava e riscou um fósforo. 

Assim que o pequeno palito bateu no chão correu em direção do medalhão. Sem explosão. Apenas fogo e uma fumaça escura. Sophia havia saído de suas atitudes sutis. Fez um puta sinal de fumaça para a polícia. Por um instante de lucidez percebeu o quê fez. Odiou ter saído de controle. Por alguns instantes ficou admirando enquanto o medalhão acordava com seu corpo em chamas. Um minuto e todo o movimento cessou. O fogo não se espalharia. Na volta pra casa parou em um mercado vinte e quatro horas. Toda aquela ação a deixou com fome. Fome de besteira. Comprou medalhão de frango enrolado em bacon. Foda-se a dieta com pouca gordura. Amanhã era segunda-feira. Amanhã começaria a dieta. Ótimo.

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