segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Álibi VII e VIII

Ao chegar no lugar os dois alvos sentados no balcão. Um copo pequeno, daqueles de dose única, postado a frente de cada um. A julgar pelos movimentos mais largos aquela ali devia ser a segunda ou terceira dose deles. Sophia sorriu de canto, soltou a pequena bolsa no ar. Parecia uma das prostitutas que se encontravam no recinto. E pensar que uma de suas colegas de sala usava esse vestido para ir em casas noturnas. Sophia só o tinha porque a amiga esqueceu uma pequena mala com roupas vindas da lavanderia no carro.

Bagunçou o cabelo, começou a mascar um chicletes invisível. Achou que estava bem na personagem quando foi abordada por alguns caras numa mesa do canto onde jaziam oito garrafas de cerveja de pobre. Como toda puta que se preze, Sophia nesse papel, foi direto aos clientes que achava ter mais futuro. Por isso despachou os caras da mesa doze.

Sentou ao lado do sétimo. Pediu uma cerveja ao barman. Tipo filme americano a cerveja veio em uma long neck. Bebeu um gole e o alvo sorriu a ela e ao oitavo. Fisgou. Após cinco minutos de papo definiu que "faria um preço especial pros dois, pois o cafetão dela estava cobrando uma dívida de drogas dela". Tão logo tudo ficou decidido Sophia pediu uma garrafa de cidra para aquecimento e levou debaixo do braço. 

Foram para o carro do sétimo, que, na verdade, era roubado. Ou alguém tinha empresado. Embora fosse óbvio que ninguém emprestaria o carro para esses dois. O oitavo ao volante e o sétimo ao seu lado. Sophia no banco de trás rindo e pedindo pra ligar o rádio e procurar uma estação de música legal. Na diminuta bolsa ela moía seis comprimidos de dramim que havia trazido de casa. Será que com ácool o efeito potencializava? Provavelmente.

Sophia se recostou como se estivesse tendo alguma dificuldade em abrir a garrafa enquanto os dois amigos conversavam. Um dizia estar "comendo o pão que o diabo amassou", ela sorriu de canto. Iria fazer a bondade de faze-lo comer o pão que o diabo amassou in loco. Garrafa aberta, Sophia deu um gole curto e despejou todo o pó de dramim que conseguiu enfiar garrafa a dentro. Afim de misturar um pouco ela fingiu já estar bêbada na hora de entregar a garrafa.

O sétimo tomou primeiro, um gole longo. O oitavo, sem tirar os olhos da rua, bebeu um gole tão longo quanto o parceiro. Sophia pegou um gole e ameaçou beber um pouco. Logo devolveu a garrafa para os dois rindo e cantando a música que tocava. Conviver com as amigas piriguetes tinha lá suas vantagens.

Sophia sabia que eles tinham um lugar para "finalizar" seus negócios. E sabia que esse lugar ficava próximo da tal represa. Apesar da seca sabia que ali era um ótimo lugar. Não haviam muitas casas próximas, não haviam prédios. Era um excelente lugar na verdade, a iluminação pública era completamente deficitária nos últimos duzentos metros antes da margem da água. 

Embora o plano não fosse exatamente esse aquela rua às margens do local onde a água era captada tinha uma profundidade média de oito metros. Desde criança Sophia absorvia toda e qualquer informação, processava, categorizava e, em momento oportuno, a usava. Foi assim que soube dessa informação.

O carro parou. O remédio não tinha feito total efeito. O sétimo estava cambaleante mas o oitavo não. E ele acusou Sophia de colocar algo na bebida. Restou o último recurso. Ela saiu do carro, ao que foi seguida. Óbvio. A garrafa nas mãos logo encontrou o lobo frontal da cabeça do oitavo. Havia um resto de bebida na garrafa, o que respingou em Sophia. Merda. Teria de mandar lavar essa porcaria de vestido. Ou devolveria assim mesmo, a culpa era da lavanderia.

Como era de se esperar o oitavo caiu ao chão desmaiado. Merda. Sophia o arrastou para dentro do carro. Colocou o cinto de segurança, fechou as janelas. O sétimo estava preso ao cinto também. Engatou a primeira marcha, um tijolo no pedal de acelerador e o pé na embreagem. Bateu a chave. Antes da próxima ação pensou em todas as variáveis. Tinha de soltar a embreagem com calma se não o motor ameaçava morrer no processo de arranque. 

Pé direito dentro do carro. Pé esquerdo fora. Jogou o corpo para trás. Nunca tinha feito nada tão arrojado. Escorregou o pé, teve de se segurar à porta do carro para não cair. O carro deu uma guinada e ganhou um pouco de velocidade. Sophia teve tempo de tirar a perna e fechar a porta. O veículo seguiu até dar uma pequena decolada em de um pequeno barranco e cair na água fazendo muito barulho. Da bolsa saiu uma lanterna que foi usada para garantir que o carro afundasse e ninguém subisse. 

O carro afundou em três minutos. Ficou mais dez esperando alguém vir à tona. A menos que um deles fosse indiano e tivesse uma capacidade incomum de respirar debaixo d´água ambos estavam mortos. E isso encerrava a meta que havia proposto para ela mesma nesse ano. Agora tinha de ir embora. Passou por uma rua onde alguns carros seguiam estacionados. Achou a "carona".

domingo, 29 de novembro de 2015

Álibi VII e VIII - Prólogo

O plano estava feito. O azar do seu noivo com a perna quebrada era um azar dela também. Tinha de agir com mais discrição do que nunca, não que isso fosse um problema. Mas nos últimos tempos ela andava mais relapsa, menos sutil, até um pouco brutal. A ação anterior saiu em vários jornais. Tudo que sabiam era que o proprietário do lugar era investigado por aliciar crianças para uma rede de prostituição. 

Com um copo quase vazio de conhaque barato na mão onde duas pedras de gelo teriam o fim trágico de toda pedra de gelo, Sophia tramava o derradeiro ato deste ano. Teria de ser duplo. Apenas uma vez na vida fez algo assim e, essa apreensão por fazer algo relativamente novo a deixava mais nervosa. Por isso o conhaque que, Sérgio, insistiu em dizer que era paraguaio. Ela não o ouvia. Quer dizer. Ouvia, respondia, reagia, elaborava respostas, mas não sua parte racional. Deixava o corpo responder sozinho. Ligou o piloto automático para ele.

Como ele estava no sofá, perna esticada sobre um amontoado de almofadas, assistindo alguma série no netflix ela, postada não mais do que seis metros atrás, em uma pequena mesa, dizia ter um trabalho de faculdade "muito foda" que era pra ter sido em grupo mas o grupo deu pra trás e ela estava "se fodendo sozinha". Sérgio brincou dizendo que poderia dar voz de prisão pros tais amigos. Sophia riu-se e disse que não seria má ideia.

Sem muito esforço descobriu que o alvo sete e o oito frequentavam o mesmo bar em uma área próxima da maior represa que fornecia água pra essa cidade fétida. Por mais que morasse aqui tinha aprendido a nutrir certo ódio pela cidade. Não que sua cidade anterior fosse o paraíso, mas era melhor que esse caos, esse barulho eterno. Se ela pudesse fugia dali. Mas muito ainda tinha pra ser feito.

Estratégia traçada. Ainda era cedo quando Sophia decidiu que teria de resolver isso hoje, agora. Odiava protelar coisas. Ainda mais coisas tão simples. Só precisaria de um carro qualquer. Beber um pouco. Liquidar a fatura e fim. Mas como sair? Sérgio parecia um cão de guarda. Será que ele suspeitava de algo e, na verdade, não tinha quebrado a perna e estava ali para vigia-la?

Paranoia. A vez passada também teve esse tipo de paranoia e não foi o final feliz que tinha planejado. Embora soubesse que nunca teria um final feliz, pessoas como ela não mereciam finais felizes. Por isso misturou ao suco de Sérgio um remédio para dormir. Dois dramins moídos seguidos de uma aspirina pra aliviar as dores da perna que, provavelmente, estaria quebrada mesmo.

Deu o remédio e esperou. Trinta e dois minutos e Sérgio dormia igual um bebê no sofá da sala frente ao netflix ligado. Que cara de sorte, dormiu bem no fim do episódio. Sophia desligou a televisão e o cobriu. Rapidamente trocou de roupa. Um vestido mais sensual, um salto mais alto, uma maquiagem pesada e estava pronta.

Ao sair pela garagem foi até o carro. Ameaçou pega-lo, mas, na verdade, deixou ali uma bolsa com a roupa para colocar na volta. Saiu passando o muro dos fundos. Por um aplicativo chamou um carro. Gostava de certas modernidades. O aplicativo não guardava itinerários, passageiros, só distâncias. E o motorista não era como taxistas típicos. Ele se ateve a perguntar o destino e, ao fim da corrida, o valor. E, em nenhum momento ele olhou para ela pelo retrovisor. Perfeito.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

os 28

Então cheguei aos vinte e oito. Esse é o único post que escrevo falando de migo comigo mesmo, dou uma pausa nas crônicas e histórias diversas pra fazer um balanço da minha pequena existência nessa bola de carbono que convencionamos chamar de planeta e lar. Olhando aqui "de cima" dessa idade, não é nada demais. Sério. Nada interessante. Bem dizem que, depois de certa idade, o aniversário torna-se apenas um dia que te felicitam por algo que você não tem a menor culpa e que, muitas vezes, nem merece as felicitações.

Mesmo nunca tendo feito isso esse ano vou nominar de Lobo da Estepe em homenagem ao Hesse. O livro dele me trouxe dúvidas e questionamentos intrínsecos para a minha existência. Sério. Talvez tenha sido o ano mais estranhamente estranho dessa minha existência. Certos momentos foram rápidos e certos momentos duraram duas eternidades. 

Foi (e ainda ta sendo) o ano que me consolidei em algumas áreas dentro do gigantesco universo que é a publicidade. Editar áudio pra rádio que sempre foi uma das coisas que mais gostei (quem me conhece sabe da minha relação com as "ondas do rádio") e agora (uau) me pagam pra fazer isso. A outra, menos surpresa, a redação publicitária muito me interessou. 

No mais não tenho muito pra falar, esse ano comprei mais minis (preciso de espaço), mais livros (preciso de espaço²), um PC, mantenho a manutenção da Eleanor (minha fiel companheira de viagem, ela, que, se você leitor recente não conhece, é minha bicicleta que tem nome, história e gênio próprios)... 

Então quero, hoje que se registra a data em que nasci (curiosamente uma sexta feira, como hoje) agradecer todos que vieram parar na minha vida nesse ano (ou eu fui parar na vida deles, sempre me perco nesses paradoxos) e agradecer, sobretudo, quem já me conhece a mais tempo por permanecer na minha vida (sério, os parabéns são pra vocês por me aturarem). 

Agora se você não suporta o Corinthians foda-se, porque preciso dizer isso: eram vinte e três horas e cinquenta e dois minutos quando acabou o jogo e tornamo-nos hexacampeões brasileiros. A "taça" é um presente antecipado. Quem me conhece sabe que tenho um ligeiro fanatismo pelo Corinthians (leia aqui e aqui pra saber mais ;)

E... enfim. Finalizo com os votos de sempre: que os vinte e oito sejam vinte e oito vezes melhores do que foram os vinte e sete.


ps¹: Sobrevivi aos vinte e sete. Não sou o gênio que achava ser haha


ps²: Ainda gosto da música da crônica de aniversário do ano passado: Y que sea lo que... sea (e o que tiver que ser... será!)

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Álibi VI

Havia dado mais de um mês entre uma ação e o agora. Sophia sentia que era hora de continuar seu plano. Faltava muito pouco tempo para o final do ano e ainda tinha três alvos na sua meta. E se não conseguisse? Pergunta idiota. Claro que conseguiria. Por mais dificil que fosse ela sempre conseguia alcançar os objetivos que dava para si mesma no começo de cada ano. Fossem eles qual fossem. Claro que, numa cidade nova, como esse ano, ela teve de pegar mais leve. Em anos anteriores a conta tinha passado de duas dezenas. Porém, naquele ano em especial, ela estava em um ambiente que ela não conhecia completamente.

Tudo começava abrindo aquele pendrive do fórum em que estagiava que lhe dava as senhas dos arquivos deixados em um HD virtual. Naquele ano farto que teve ainda não confiava plenamente na internet e suas facilidades. Por isso guardava tudo em papel impresso. E foi esse papel impresso que lhe trouxe a ruína. Foi a única prova que lhe incriminou. Na hora em que sua máscara caiu pegou tudo que pode, colocou algumas roupas na mochila e, a caminho da rodoviária comprou uma tintura ruiva. Teve de abandonar as madeixas loiras que sempre foram sua marca registrada. Sempre foram seu chamariz. Sempre foram as mais perfeitas iscas. Embora ela tenha provado que, uma vez ruiva, atraía tanta atenção quanto sempre atraiu.

Devaneios a parte era hora de concentração e estudar os poucos hábitos de seu próximo alvo. Ele gostava de nadar em um clube desses de gente rica. Será que seria dificil para Sophia se infiltrar, o atrair e... porque não inovar. Já que "sua" casa estava praticamente toda destruída tinha de pensar em novas formas de agir. Com um pouco de engenharia social e uma boa lábia conseguiu se cadastrar no clube com outro nome. Tinha de ir um dia, descobrir todas as câmeras e saber evita-las. Claro que foi lá apenas uma vez. Ficou visivel para seu alvo. Ela trajava uma calça leggin tão justa que se respirasse de forma mais pesada temia estoura-la. Ele a viu. Ela deu a entender que estava dando mole. Um peixe tão fácil de fisgar que poderia ter economizado trinta reais nessa calça ridicula.

Em um movimento rápido entregou a ele o número de celular que ela havia comprado minutos atrás. Só teria esse número por alguns dias. Para ativar a linha colocou um dos inúmeros CPFs que guardava no fundo falso do notebook. Ao sair do clube não demorou dez minutos e o alvo lhe ligou. Perfeito. Ele disse ser um dos presidentes do lugar e que ele tinha acesso às chaves. Mais perfeito que isso apenas se ele já estivesse morto. Quer dizer, se ele já estivesse morto não haveria motivo de mata-lo e ela teria de achar outro alvo afim de completar sua meta. Combinaram um barzinho no fim de tarde. Como Sophia esparava ele bebeu mais do que o suficiente para sair da sobriedade. Não precisava de mais nada.

Voltaram ao clube por um comentário despretencioso - ou outra isca? - que Sophia jogou: ela tinha vontade de nadar nua com ele. Qual homem não acharia isso perfeito? Uma ruiva, jovem, bonita querendo nadar nua em um clube que se é um dos presidentes? Voltaram ao clube, vinte e duas e dezoito. Sérgio, noivo de Sophia, estava de plantão do outro lado da cidade e dificilmente chegaria aqui antes do amanhecer. Amanhecer, que era o fim de seu turno. Cairam na piscina nús. Sophia agradeceu mentalmente à sua irmã mais nova pela mesma ter lhe ensinado a nadar.

Aquelas mensagens que bombeiros dizem dos perigos de se beber e entrar no mar ou na piscina são reais. Talvez um tanto quanto exagerados. Mas não precisou mais do que vinte minutos dentro da água para o alvo começar a demonstrar sinais de que não aguentaria muito mais. Claro que uma pequena ajuda fez o corpo afundar mais rápido. Sophia parecia estar com mais pressa do que o habitual. Tinha pouco tempo e uma meta a cumprir. Por isso a pressa. Era o que dizia para si mesma. Era o que deveria ser verdade. Aliás, era a verdade.

Poucos minutos depois caminhou de volta até o carro. Prendeu os cabelos com a toalha que havia trazido de casa. No caminho para casa pensou que ainda tinha mais dois alvos até o final do ano. O tempo era apertado. Mas ela adorava desafios. Nem todos eles, claro. O desafio agora era escolher algum seriado que lhe prendesse a atenção por algum tempo e lhe inspirasse em novas ações. Achou.