segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Álibi e1s2: Coronel

Bem dizem que muitas cidades pequenas escondem crimes e histórias escabrosas tanto quanto uma cidade grande. Claro que Sophia precisava estudar um pouco sobre a cidade, sobre o alvo e tudo demandaria tempo. Embora, vendo o calendário, tenha um longo ano bissexto pela frente. Mas, como disse uma colega sua de faculdade, pra que protelar o que já pode ser feito? Por isso Sophia estava com o notebook em cima da cama, sentada na posição de lótus bebendo um chá de capim cidreira com limão.

Todo aprendizado é útil. Em uma cidade pequena, com restaurantes mais focados em comida local, evite comer coisas que não demonstram uma cara boa. O duo clássico de feijão com arroz e batata frita raramente tinha erro. Mas não, quis experimentar uma costela bovina cozida na panela com batatas. Agora estava com um pequeno desarranjo no intestino. No entanto nada que pudesse lhe tirar o foco e a vontade de realizar o que iria realizar.

Se passando por uma jornalista da capital rapidamente conseguiu conversar com pessoas e descobrir podres. Gastou dois dias para achar a origem da maçã podre do cesto. Um rico fazendeiro que queria explorar ainda mais o gado comprando terras de gente humilde que não planejava vender. De filmes, novelas, séries, livros e, claro, vida real os ricos sempre conseguem o que querem, seja da forma atipica que era gastando uma fração do que tinham no banco ou da forma mais comum: gastando uma fração menor contratando capangas que davam algum jeito de expulsar os que ali viviam.

Obviamente toda transação bancária deixava rastros e tudo era feito em dinheiro vivo. Logo, as pegadas e as ligações eram todas frágeis e nenhum tribunal puniria alguém daquele calibre. No entanto eram muitas pessoas que, tendo a certeza de que a "jornalista" jamais revelaria nomes em sua "reportagem" confirmavam quem era, onde vivia... até mesmo os hábitos que tinha. O tal, como em muitas cidades, era chamado de "coronel".

Decididamente Cabeceiras não merecia alguém assim. Cidade simpática. Povo trabalhador. Belas paisagens. Tinha de fazer algo a respeito. Suspirou fechando o notebook. Achou ter ouvido o recebimento de uma mensagem. Concluiu que foi na televisão que reprisava uma novela qualquer. Sophia sempre pensou melhor com barulho. Claro que gostava das trevas para trabalhar. Mas, barulho na hora de planejar era quase uma fonte de inspiração.

Deitou olhando o ventilador de teto balançar para os lados. Sorriu de canto lembrando de quando era criança que tinha medo que ele se soltasse e decepasse a cabeça de quem estivesse embaixo. Logico que, seguindo as regras básicas da física, se ele caísse ele iria para o lado, por conta da força centrífuga que agiria jogando as hélices para o lado e não para baixo. Depois de um cochilo rápido tomou a decisão de fazer logo. Tinha as provas. Tinha a motivação e tinha um plano quase clichê.

Colocar uma roupa sensual e achar o "coronel" no melhor boteco da cidade não foi difícil. Nem manter a personagem da repórter que queria ouvir os dois lados da história. Claro que isso gerou uma exposição que Sophia queria ter evitado. Mas, para se fazer uma omelete é preciso quebrar alguns ovos. E em uma cidade dessas a população deveria ficar feliz com o sumiço de tal algoz. Claro que no pensamento dela era simples assim.

Pedir a entrevista e marcar ela para a manhã seguinte era ótimo. Na fazenda dele. Perfeito. Ele próprio viria busca-la. Sophia mal dormiu naquela noite. Soube que o coronel era viúvo e seu único filho, com quem ele tinha rixa pelo pobre coitado ser homossexual, vivia bem longe dali, no Rio de Janeiro. Mais um motivo para Sophia resolver aquilo de maneira rápida. 

Na manhã seguinte, oito e vinte e seis, ele veio ao encontro dela. Seguiriam para a fazenda dele, distante meia hora dali. Por um instante Sophia ficou imaginando se resolveria  tudo ali mesmo ou iria até a fazenda e, caso tivessem muitos capangas por lá, resolveria tudo na volta. Mas, ao chegar na casa nem mesmo uma cozinheira estavam na grande casa. Nada poderia ser melhor. Ao posicionar o celular gravando Sophia começou a fazer perguntas. Ela sabia entrar numa personagem quando precisava.

Em um instante, depois de vinte minutos de entrevista, o "lobo" mostrou suas garras. Ele tinha dispensado todos os empregados para que eles pudessem ficar a sós. "Filho da puta", pensou Sophia. Ela, obviamente, sorriu de canto e perguntou por uma bebida, afinal ficar tanto tempo falando a deixou com a garganta seca. Ele pediu que ela a seguisse até a cozinha. Ao passar pela mesa ela viu um pano de prato em uma das cadeiras. O sorriso lascivo se prolongou pelo restante dos lábios.

Numa pequena distração do alvo ao pegar a cerveja na geladeira Sophia passou o pano pelo pescoço do homem que até tentou se debater. Mas logo desmaiou. Ainda sem morrer. Com certa dificuldade Sophia o arrastou para o que ela julgou ser o quarto dele. O despiu parcialmente e, sem muito esforço pegou um dos travesseiros e segurou junto ao rosto do coronel. No meio do processo ele recobrou os sentidos. Não por muito tempo, é verdade, logo os braços perderam o movimento, as pernas se juntaram e fim. Tudo estava resolvido. 

Ao sair do quarto deixou o ar-condicionado do quarto ligado e programado para desligar em duas horas, isso enganaria uma improvável perícia quanto a hora da morte. Em um galpão ao lado da casa haviam duas motos sem placa, provavelmente usadas para fazer trilha por algum dos capangas, provavelmente usadas em suas "missões". Sophia pegou uma delas e guiou até a cidade. Deixando a motocicleta fora dos limites da cidade para não dar bandeira. Voltou ao pequeno hotel e se permitiu almoçar e pegar o ônibus das treze horas para a próxima cidade. Nova cidade. Mesmo cabelo. Só não agia da mesma forma para não cair em uma rotina. Odiava rotinas.