segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Piano Bar

Ele se sentia estranho. Podia ser culpa do calor. Da aparente tranquilidade no trabalho, nas aulas, no trajeto de casa até seu trabalho. Toda essa tranquilidade o deixava com aquela ponta de preocupação. Como se soubesse que algo fosse acontecer logo. E se acontecesse? Como seria? Como reagiria? Não que essas dúvidas lhe tirassem o sono, mas, lhe deixavam preocupado com o amanhã. Sempre o amanhã, que não aconteceu nada, preocupa mais do que o hoje ou até mesmo o ontem (onde, teoricamente, já aconteceu e, logo, não há nada que possa ser feito), tudo por causa do amanhã.

O céu azul continuava a irritar suavemente seu humor cinza. Não que o humor cinza fosse ruim, longe disso. Aquele "ser rabugento" era tão dele que, quem já o conhecia a mais tempo, nem questionava. Até mesmo quando ela foi embora sem deixar nem um bilhete ou algo do gênero ele sentiu o baque. Não havia baque. Não havia mágoa nem nada que equivalesse. Sabia que a vida era assim, certamente ela seguia em frente assim como ele. Ainda gostava de ir até a praia e ficar meditando frente à imensidão do mar. Gostava de deitar na laje e ficar batendo papo com as estrelas.

Nas férias descansou, colocou a leitura em dia, viu algumas séries que haviam lhe indicado, viu filmes e aquele velho projeto de livro, enfim, foi finalizado. Restava publicar, mas isso resolveria no decorrer do ano, já haviam sido vários anos até escrever, agora um tempo a mais para publicar não seria nada demais. Aprendeu a ter paciência. Ou quase isso. Pois momentos de fúria o invadiam vez por outra e ele deixava que eles saíssem. Ele ponderava comprar um saco de areia, daqueles de academia, pra esses momentos, assim teria algo para socar.

Dias após a virada do ano uma mensagem no celular lhe chamou a atenção. Não era ela. Não eram parentes. Não eram amigos. Era alguém que havia entrado na vida dele para, logo em seguida, sumir e o deixar na mesma condição de antes. A pianista dizia estar com saudade dele. Queria saber se ele ainda ia ao barzinho. Queria conversar, ainda que de forma breve. Conversavam a conta-gotas. Estando no estrangeiro seus horários eram sempre conflitantes. Ele chegava do trabalho e ela estava se preparando para dormir. Ela acordava e ele ainda estava em alta madrugada. Logo conversavam muito pouco. Porém cada conversa. Cada mensagem era como se fosse uma história longa e repleta de detalhes.

Ao fim de algumas semanas de conversas curtas ela acabou por confessar que "muito em breve voltaria para o mundo novo". Que a experiência de tocar em algumas casas pequenas de espetáculo na Europa não haviam sidos tão ruins e que, logo que resolvesse algumas pendências ela voltaria. A pianista tinha planos. Queria dar aulas. Queria voltar a tocar na noite. Queria passar um tempo com ele, se possível fosse. Ele, na sua estranheza diária, não recusou nem aceitou. Sentiu um pequeno traço de calor brotar em seu peito. Achou estranho. Mas... tanta coisa era estranha. Essa deveria ser mais uma. Deveria sim. O final das férias representou não conversar mais com a pianista diariamente.

O fim das férias representava o retorno à rotina. Rotina que ele tanto abominava e tanto sentia falta. Excesso de folga não faz bem. Excesso de regras também. Por isso nesse ano ele havia se proposto a não levar tudo tão a sério. Claro que ainda seria profissional. Claro que ainda teria os momentos de total ócio. Seria um desafio pra ele se regrar sobre o que valia e o que não valia levar dentro de si. Por isso se afastou um pouco do grupo de amigos que ia frequentemente ao bar. Não sentia mais esse desejo. Não sentia mais vontade de conviver com pessoas. Por um instante, nesses momentos entre o trabalho e a faculdade ele se sentiu como Harry Haller sendo destroçado por suas inúmeras personalidades. Praticamente um Lobo da Estepe misantropo. 

Em um instante de reflexão. Um lapso de pensamentos que se juntavam tais como peças de um quebra-cabeças. Formou uma teoria. Harry. Não. Não queria pensar nisso. Balançou a cabeça lateralmente tentando não pensar nisso. Mudou o foco. O céu seguia azul. Isso. Hora de se irritar com o céu azul. Mas Hermínia era livre e... merda. Ele não soube dizer o rumo que tomaria isso. Não quis pensar. ... "salvou" o Harry de sua aniquilação. Balançou a cabeça novamente. Foco no céu. Isso. Respira fundo e se irrita com o céu estar azul quando ele o queria cinza. Algumas horas se passaram e ele falhou miseravelmente no seu ódio.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Álibi e2s2: Fúria

O bom de agir assim, pensava Sophia, era que podia repetir a mesma história em cada cidade que fosse. Só precisaria mudar o nome no começo da conversa. Novamente, durante a carona, ela perguntou algum hotel barato. Disse que havia sido assaltada, que era de um grande jornal de circulação nacional e por isso pagaria na hora de sair. Não que estivesse sem dinheiro. Longe disso. Apenas sabia que poupar era essencial. Ao sentar na cama não-tão-macia-quanto-gostaria a moça resolveu checar o email. Dois spams e a resposta de Sérgio. Não era sem tempo, ela pensou clicando. 

Segundos após ler o sangue subiu. Se notebooks tem santo protetor ele acabará de salvar o aparelho de Sophia, tamanha a fúria que tomou conta dela. O primeiro alvo foi a televisão do quarto que recebeu um chute violento. Em seguida, tentando se acalmar, ela caminhou até o banheiro para lavar o rosto e se acalmar. Em vão. Nem se a água viesse diretamente de um glaciar acalmaria Sophia nesse estado. Olhou-se no espelho e, sentindo mais raiva do que jamais tinha sentido o espelho estilhaçou-se frente ao soco dela.

Um banho de dez minutos em água fria - com roupa e tudo - fez ela se acalmar. Um pequeno fio de sangue brotou entre seus dedos anelar e pai-de-todos. Tinha de responder o email a altura. Mas primeiro os negócios. Tinha um espelho quebrado no quarto e a televisão seguramente estava quebrada. Por sorte havia confeccionado diversas identidades falsas entre o ano novo e a primeira missão. Recolheu suas coisas rapidamente e saiu pelos fundos do hotel. Não precisaria parar. Sabia as rotinas do alvo de cabeça. Era só esperar anoitecer e ele entrar em horário de serviço. Tinha a vantagem de agir na terça feira de carnaval e todo o policiamento estar distante da universidade de Uberlândia cobrindo os festejos. Sentada à praça passou o tempo relendo o email e esboçando uma resposta. 

Depois de muito pensar decidiu que responderia com a ação de hoje.Enfim a noite caiu e o alvo foi avistado. Com sua mochila em mãos e uma folha de papel se dirigiu ao segurança. Semanas antes arquitetará o plano de se passar por aluna do interior que tinha chego na cidade grande e iria ficar nos alojamentos que a universidade fornecia. Claro que até o mais idiota dos idiotas sabe que calouros só tem acesso aos quartos em dias em que a secretaria acadêmica está aberta. E agora não era a hora que estaria. 

Depois de não mais de cinco minutos de diálogo o alvo ofereceu seus aposentos para a pobre jovem ficar, claro que ele queria algo em troca. Sophia, dentro do papel de ingênua, topou. Foi aí que um movimento rápido se fez e a moça tirou do coldre do segurança sua arma e lhe deu dois tiros na nuca. O homem caiu sem vida. Sacando da bolsa o celular tirou uma foto. Agora tinha a resposta perfeita para o email de Sérgio. Sorriu de canto saindo dali. No corredor haviam câmeras, logo saberiam que havia sido a mesma moça que atuou em São Paulo e que agora mais unidade policiais iriam atrás dela país afora.