quinta-feira, 10 de março de 2016

Álibi e4s2: Pizzaria

Decididamente existem dias bons onde tudo que você planeja dá certo. Todas as esquinas que você passa o semáforo está aberto. A vaga dos sonhos no estacionamento está vazia. Você vai pegar café e ele foi feito na última meia hora. O computador ajuda. Na volta pra casa você encontra aquela comida que você julgou ter acabado na geladeira atrás de algumas latas de cerveja que você também julgou não existirem.

Não, esse dia não foi hoje. Aquele planejamento feito na hora do banho foi um desastre. Alguma obra próxima fazia um barulho que era ouvido com mais intensidade justamente no lugar onde nos encontramos com nosso eu mais profundo: o banheiro. 

Todos os semáforos estavam fechados. E os sempre tinha algum babaca trancando o cruzamento. Fora os vendedores de bala. Vendedores de caneta. Vendedores de adesivo. Malabaristas. Pedintes. Crianças que lavam o vidro usam aquele rodinho que risca o vidro. Coloquei o distintivo no console e enfiei a mão na buzina várias vezes. Pensei em pegar a pistola, ameaçar alguns... mas nos dias de hoje qualquer ameaça já vai pras redes sociais e dá merda. Um soldado novato lá se fodeu lindamente ao dar dois tiros pro alto em uma festa de igreja semana passada.

Por causa desse atraso todo no caminho, as vagas do estacionamento estavam todas cheias. Só sobraram as vagas descobertas e do outro lado do planeta. Decididamente tem dias que deus - caso ele realmente exista - não vai com a minha cara. Pra foder com tudo ainda foi o dia mais quente do ano. Depois eu vi que tinha sido o dia mais quente dos últimos dez anos. Puta merda.

E o café? Desisti quando vi o aspecto dele na caneca do Soares, meu superior direto. Parecia água com terra. Molho shoyo. Disenteria. Rio Tietê poluído. Petróleo. Qualquer outra merda dessas escuras. Menos café. O cheiro lembrava aquela meia minha que ficou debaixo da cama e só fui me ligar da existência quando ela começou a feder. E fedia pra caralho.

O computador, pra variar, não parava de travar. Hoje eu tinha que ficar algumas horas na sede do batalhão digitando relatórios. Como com essa bosta de computador? O teclado parou de funcionar e aquele boyzinho filho do secretário de segurança que fingia trabalhar com T.I. trouxe um teclado branco que não tinha nem cedilha. Puta que pariu. O pior é que ninguém gostava do moleque. Ele sentava no canto dele com seu café da Starbucks que ele comprou com o cartão corporativo do pai e que, no fim, saía do nosso bolso. E pra completar a foda, sem cuspe e com caco de vidro, a merda do ar condicionado resolve parar de funcionar. Resultado: em vinte minutos todos estávamos putos, suados e fedidos. Decidi sair pra ronda. Ao menos isso não me trouxe aporrinhação. Só sacudir maconheiro em porta de escola.

Vinte e cinco horas depois. Com o stress lá na casa do caralho pensei em parar em algum bar. Mas e com que dinheiro? Cada dose de cachaça era dez, doze contos. É pra foder geral. Parei num mercadinho perto de casa e comprei aquela cachaça vagabunda que vem em garrafa plástica. Fígado? Ele que se vire. Na geladeira nada interessante - algumas saladas, uma pizza parcialmente podre, uma panela com cozido que fiz semana passada e no congelador, além de gelo, uns hambúrgueres baratos - o que me obrigou a pedir uma pizza. Que, no fim, não veio porque o motoboy foi atropelado. Resolvi ir buscar pessoalmente, ficava só a dois quarteirões daqui mesmo.

No caminho uma prostituta passava indo pra sua esquina padrão. Acho que o nome dela era Sheila e não era ela. Era a porra dum traveco. Na pizzaria ainda tive de esperar que fizessem minha pizza. Pela primeira vez hoje alguém fez algo bom e me deu um puta desconto na pizza. Além de quatro latas de cerveja. A corote iria sobreviver esse pós-plantão. A sorte começou a virar? Saindo da pizzaria a rua deserta. Ninguém pra me irritar. Ninguém pra me fazer querer dar uns tiros. O porteiro do prédio num bom-humor raro. Acho que o time dele ganhou o jogo. O que deve querer dizer que o meu time também tinha ganho, afinal, torcíamos pra mesma merda de time. 

No elevador a gostosa do andar de baixo entrou acompanhada de duas amigas e umas sacolas de comida congelada. Se eu não tivesse discutido com o pai dela talvez ela me convidasse pra ir com as amigas assistir filme e depois comer. Comer não apenas comida. Puta que pariu. Se existisse o ctrl + z da vida eu resolvia isso. Claro que o cheiro da minha pizza de calabresa empesteou o ambiente. Eu não convidaria elas. Mesmo que representasse perder uma foda grátis. Elas desceram rindo. Certamente falaram algo no WhatsApp. A porta do elevador fechou. O próximo andar era o meu.

Ao chegar no meu andar as luzes estavam acesas. Alguém devia ter passado por aqui. Os passos pelo corredor e o elevador saindo do meu andar em seguida. No minimo as cocotinhas tinham esquecido a bebida no carro. Podia oferecer pra elas minha corote. Ri mentalmente disso. Destranquei a porta sentindo o cheiro da pizza e imaginando ela descendo pela minha garganta. Qual filme assistiria hoje? Qualquer um. Ao dar o primeiro passo dentro do apartamento pisei em cacos. Liguei a luz. O apartamento estava revirado. Deixei a pizza e a cerveja no aparador perto da porta. Peguei a pistola. Não havia ninguém. Na tela da TV desligada, escrita com batom vermelho só uma frase:

"Você é o próximo, Sérgio. Cuide-se."

Puta que pariu, Sophia. Primeiro aquela ameaça de merda no e-mail, agora isso. Ficou pessoal.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Álibi e3s2: Carretera

Esse ano estava sendo de muitas primeiras vezes para Sophia. A primeira vez que agiria em mais de uma cidade. A primeira vez que tinha uma lista pronta. A primeira vez que já tinha planos prontos desde o inicio. A primeira vez que teria de interromper os planos por um motivo alheio à sua vontade. A primeira vez que se irritou com alguém que não era alvo. Seria a primeira vez que ela usaria o artigo dois do seu código de conduta. O primeiro era eliminar todos que o Estado não prendia. O segundo era eliminar todos que atentassem com a vida dela. E esse era o momento de resolver essa pendência de uma vez por todas.

Saindo de Uberlândia rumou para Belo Horizonte. Roubou dois turistas distraídos que deviam estar falando em espanhol ou algum dialeto guarani. A julgar pela aparência eles eram paraguaios. Logo, contrabandistas em potencial. Logo mereceram ter suas carteiras roubadas. Entrou no ônibus digitando uma resposta para Sérgio, agora eram horas de viagem onde ela teria de aturar uma jovem que não saía do celular. Aquela luz do dispositivo não deixava Sophia dormir nem planejar nada. Alguns minutos de observação fixa ela chegou a conclusão que a jovem iria encontrar o namorado que havia conhecido em alguma rede social. Se elas tivessem se conhecido horas antes do embarque Sophia buscaria a ficha completa do rapaz e diria à ela se valeria a pena ir atrás dele ou não.

Talvez no futuro Sophia podia viver disso. Buscando informações sobre as pessoas e dizendo se elas eram mesmo quem diziam ser. Em outros países muita gente ganhava rios de dinheiro fazendo esse tipo de serviço. E de quebra poderia financiar assim suas outras empreitadas. Era algo a se considerar. Finalmente a jovem notou que o brilho estava exagerado e diminuiu a intensidade de luz do dispositivo que usava. Sophia sorriu de canto como se agradecesse. Agora era cochilar e ver se traçava um plano para o quê fazer com Sérgio. Ele era sagáz. Ela sempre esteve dois passos a frente dele, porém na última ação do ano que passou ele a alcançou. Coube a ela agir como agiu e fugir. Claro que ele tinha atentado para com a vida dela e, teoricamente, rompido a segunda regra do seu código de conduta. Era ela agir agora e resolver tudo isso. Agora era dormir pra chegar descansada à grande São Paulo.