segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Varanda

A cadeira que Janaína havia colocado na varanda sempre acabava ficando na chuva e isso tratava de deteriora-la mais rápido. Mas ela não ligava, gostava de sentar na varanda, fones nos ouvidos, celular no colo e pensar na vida e em tudo que acontecia. Mesmo estando potencialmente na rua mais parada da grande metrópole ela gostava de sair e ver o movimento. 

Passava horas ali, olhando a imensa massa de seres humanos e sua obra. Os vizinhos certamente a achavam estranha, reclusa... mas aos poucos viram que ela era assim e que isso não fazia m à ninguém. Se, por um lado agora ela estava feliz por sua amiga ir atrás de algo que fazer da vida ela se perguntava o que ela estava fazendo da vida. Parece que o jogo virou. Ela estava fazendo de si o que não sabia. Faculdade, saídas solitárias pra satisfazer o corpo em detrimento do espírito não era algo que ela tinha planejado pra si mesma. 

Verdade seja dita: ela estava de saco cheio de tudo. Queria largar tudo e ir embora, qualquer lugar. Fazer como Helena, uma carta de adeus e tchau mundo atual. Porém... ela morava sozinha. Pra quem deixaria a carta? Enquanto via o dia acabando e os pássaros passando rumo a seus ninhos ela seguia ali, prestes a voltar com as velhas praticas, as velhas técnicas , as coisas que havia dito pra si mesma que não voltaria à praticar. Dilemas. A vida se resumia a um dilema depois do outro, um pior que o outro, uma merda maior que a anterior pra fazer descer no fino ralo da existência. A dúvida ficava sobre o quanto o desentupidor , a soda cáustica aguentariam jogar tudo cano abaixo. 

Lembrou de um filme, algumas músicas quando o vento frio assolou seu pé - sempre teve muito frio no pé, desde quando morava no sul - soltou um suspiro. Talvez se chacoalhasse o pote ainda tivesse um pouco de soda que jogaria mais um tanto de merda ralo abaixo, ou quem sabe o desentupidor ainda estivesse por perto e... frio no pé. Saiu da sacada, mas não sem antes colocar aquela cadeira pra dentro. Se ela não gostava de frio nos pés por que uma cadeira haveria de gostar? Pronto. Cadeira do lado de dentro. Céus, estava preocupada com os sentimentos de uma cadeira. Pensou rindo no nível de esquizofrenia que havia chego. Era uma boa resposta, tão boas quanto as meias nos pés. Odiava frio nos pés.

domingo, 23 de outubro de 2016

Rodoviária

Ela sabia que era a hora. Dizem alguns que chega uma hora que da um clique e a pessoa acorda da sua inércia, daquela sua letargia, daquela coisa de vivenciar e sentir tudo que se passa na sua vida pra um estado onde tanto faz. Helena havia chego nesse instante. O clique havia sido tinham algumas horas, por isso ela estava com aquela mala diante da cama e as roupas entrando dentro dela. E daí que eram três e meia da manhã? E daí que amanhã de manhã Janaína tinha combinado de vir vê-la? Tudo que queria era uma fuga. 

Com a quantia que tinha guardado nesse ano todo de sobriedade poderia comprar uma bela passagem de para algum lugar distante o suficiente. Temia o que os outros diriam. Por isso enquanto colocava as camisas, calças, meias, calçados, documentos, um pato de pelúcia que havia ganho de Janaína pensava em quais palavras escreveria em sua elegia frente à vida que levava. 

Nesse ano de sobriedade finalizou o ensino médio, chegou a começar a estudar para algum vestibular - psicologia, era o que todos diziam - e descolou um emprego em meio período que lhe permitiu ajudar financeiramente em casa e ainda comprar coisas para si. Claro que tinha uma caixinha onde escondia algum dinheiro para "algo extraordinário" que faria. Sorriu de canto confrontando o espelho da penteadeira. Era agora o tal "algo extraordinário"? Mais ou menos.

Mais porque sair como ela estava pretendendo era, sim, extraordinário. Era aquela coisa de ruptura com o que se tem indo rumo ao que não se faz ideia do que seja. A sensação de estar fazendo a coisa mais idiotamente genial que alguém, na situação dela, poderia fazer. Claro que era algo tresloucado e relativamente "do nada", mas... as melhores coisas não são feitas assim em um impulso?

Menos porque sair como ela estava pretendendo era, sim, extraordinário. Era aquela coisa de ruptura com o que se tem indo rumo ao que não se faz ideia do que seja. A sensação de estar fazendo a coisa mais idiotamente idiota que alguém, na situação dela, poderia fazer. Claro que era algo tresloucado e relativamente "do nada", mas ... as maiores merdas não são as coisas feitas assim?

Por um instante olhou o espelho. Se questionou se devia ou não fazer isso. Tinha a resposta. Sabia o que devia fazer. Se sentou na cama um instante. A mala pronta. O coração cheio de desejos. A alma cheia de vontades. Lembrou daquela música do Nenhum de Nós, cantarolou baixinho enquanto se sentou na penteadeira, tomou uma folha de papel nas mãos, uma caneta preta. Respirou fundo, sorriu, chorou e naquela meia hora escrevendo sem parar, ela percebeu que, o que fazia agora, era importante sim. E não era uma fuga. Era a busca por um reencontro. Um reencontro consigo mesma. Deixou uma pequena estátua de bailarina sobre o papel, a caneta voltou à caneca onde residia, suspirou e saiu em direção à rua. Da rua um carro que chamou pelo aplicativo, de lá para a rodoviária. Escolheu o lugar por sonoridade. Viu o sol raiando pela janela do ônibus já na estrada, ainda teriam centenas de quilômetros até seu novo destino. Adormeceu com essa esperança e um fino sorriso nos lábios.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Vem Chuva

Eu não sou poeta, já reneguei inúmeros poemas meus à uma gaveta imaginária pra que eles nunca saíssem de lá, mas um dia desses, uma chuva se desenhava no céu noturno e ela, a Deusa da Inspiração veio e me acertou com estes versos, ei-los:



Vem Chuva

Vem chuva
Vem lavar os telhados
Vem molhar as ruas
Vem chuva
Vem embalar o sono do trabalhador, do velho, da criança
Vem chuva
Vem trazer mais cedo o filho que saiu e tranquiliza o coração da mãe que fica aflita a sua espera
Vem chuva
Vem regar as plantas
Vem molhar as arvores
Vem chuva
Vem trazer beijos molhados
Vem trazer paz pra criança
Vem regar o jardim de bonança
Vem chuva
Vem acalmar o mundo que sofre
Vem acalmar a alma de quem morre
Vem chuva
Vem dos céus, enviada divina
Vem molhar do peão à menina
Vem cobrir de bênçãos e ser cortina frente dum novo despertar
Vem chuva... vem.

domingo, 9 de outubro de 2016

Impacto

Dia desses estava aqui pensando em tudo que eu faço, tanto publicitariamente quanto em aula, no estágio, na relação com meus amigos, minhas amigas, colegas e pessoas que eu não conheço que, quando há uma troca de olhar eu respondo com um sorriso. Depois eu lembrei do que o Teddy Corrêa (vocalista da Nenhum de Nós) falou em um TEDx (procurem no YouTube) sobre o poder da música da banda dele e o quanto isso pode mexer com as pessoas. Posto isso fiquei relembrando meus trabalhos, minhas relações e o que eu escrevo de forma despretensiosa aqui no blog.

Acontece que, esses dias, minha mãe terminou de revisar/ler meu livro (quem já me conhece sabe a história da ladra ruiva, quem não conhece poderá conhecer quando eu publicar ;) e ela sempre diz que toda história tem que passar alguma mensagem, alguma lição, algo que agregue nas pessoas que as leem. E eu, como não achava nada demais na minha história tinha pra mim que não teria nada de "ohhhhhh, que livro incrível, que obra, mudou minha vida e bla bla bla", era só um livro que escrevi, literalmente, quando tinha vontade. Por isso levei praticamente seis anos pra escreve-lo. Mas voltando ao ponto da minha mãe ter lido (ela foi a primeira pessoa a ler ele inteiro, organizadinho, nem eu me prestei à isso) ela disse que, sim, meu livro tinha uma lição, uma mensagem de uma pessoa que busca uma espécie de redenção, busca uma forma de resolver seus problemas... e isso me deixou pensativo por dias. Até agora. Domingo, dois de outubro de dois mil e dezesseis, três e pouco da manhã. Muito provavelmente a data de publicação não é essa porque eu não quero publicar nesse horário ingrato, acho que esse texto merece ir além de uma repostagem de link no facebook e outra repostagem no twitter onde uma ou duas pessoas vão curtir, alguém talvez comente. Longe da presunção esse texto quero mais, acho que ele vale.

Mas, voltando ao que me colocou a pena à mão (termo lírico, uma vez que escrevo direto no teclado) e me pos a escrever: Desde que eu comecei a editar os áudios pra um programa de rádio da minha faculdade (O "Na Ponta da Língua", tem página no facebook) eu sempre quis colocar minha marca ali, meu detalhe próprio, minha cara naqueles menos de dois minutos de diálogo e alguma dúvida/curiosidade sobre língua portuguesa/personalidades/curiosidades da cultura pop. Aí, agora, depois de ter revisto aquele TEDx do Teddy eu fiquei pensando que eu sempre quero passar algo pra quem "consome" o que eu faço. Não quero só fazer algo pra ficar bonitinho ou coloridinho. Quero fugir da "parada de sucesso" (termo usado pelo Teddy) no que faço. 

Se eu não vou ser melhor aluno da sala. Se não vou ganhar o mérito estudantil. Se não vou me sobressair - pelo menos por enquanto. É algo que vai de encontro com o que li dia desses sobre pessoas que se satisfazem com a mediocridade. Por ora eu me encaixo nisso. Fujo um pouco do perfil do publicitário que tem que se pintar de verde fosforescente pra aparecer e vou ser aquele que fica quietinho, na sua, absorvendo os conhecimentos, aprendendo tudo que pode aprender antes de resolver usar tudo.

Eu acho que acabei me perdendo e, se alguém estiver lendo isso, é sinal de que resisti à súbita vontade de fechar o bloco de notas sem salvar o que escrevi até aqui. Espera... hum... ah sim. Esse é meu caminho, não querer parecer melhor que ninguém. Ninguém é melhor do que ninguém porque viu uma série diferente. Porque leu um livro em outro idioma. Gosto de pensar na vida como um jogo de videogame onde cada coisa nova que fazemos é uma conquista desbloqueada, mais pontos de experiência pros próximos desafios. Não preciso me exibir e querer achar que estou acima - esse é o meu princípio em ser mediócre - e que, por isso, posso fazer o que eu quiser. Não vou entrar em casos pessoais, mas já discuti com pessoas por causa das atitudes delas. Atitudes egoístas das pessoas em achar que, porque elas tem uma conquista desbloqueada a mais que eu, elas podem pisar, pagar de bilhete premiado. Pois tudo que fazemos (ufa, me achei) impacta o outro. Se uma pessoa que eu conheço passa por mim e não me cumprimenta eu penso de duas uma: ou ela está com problema ou eu fiz algo à ela. Mas, quando isso se repete dia após dia, semana após semana, passo a achar que a pessoa se acha o pacote de salgadinho com dois tazos. Resumo tudo que escrevi até aqui com a minha resposta e uma pergunta: Eu quero fazer algo que agregue coisas boas, boas referências, novas culturas (fora da "parada de sucesso"), algo positivo, quero obter a imortalidade que o Kundera disse só ser possível através da arte, agora, parafraseando minha mãe, tudo que agrega algo a alguém é arte. Esse vai ser o meu jeito publicitário de ser, contra a "parada de sucesso", contra a massificação, vou pagar por isso? Com certeza. Mas poder deitar a cabeça no travesseiro tranquilo de que algo que eu fiz fez - na pior das hipóteses - alguém sorrir já me faz querer isso como objetivo, como sonho (isso me lembrou a última aula com o professor Fogaça, onde ele questionava a gente sobre nossos sonhos), meta de vida. Não ligo de viver sempre com um carro não zero, uma casa pequena arrumadinha. Se eu puder viajar, absorver conhecimento, cultura, coisas pra passar pras pessoas... já me vai ser tudo que preciso.

E você, leitor, leitora, como você quer impactar o mundo?

domingo, 2 de outubro de 2016

Kunoichi

Dizem que no calor de uma batalha é que se forja um guerreiro. Janaína devia ser guerreira quando, do seu acampamento, colocou a máscara que todas as Kunoichis usavam antes de ir para a guerra que ocorria não muito longe de seu acampamento. Checou uma última vez todas as ferramentas que precisaria para a batalha. Tudo estava ali dentro do seu alforje. Garantiu que a vela que usou para essa conferência estivesse bem apagada pois não queria sua tenda em chamas. No percurso até o campo de batalha passou por diversos guerreiros feridos voltando para os alojamentos, algo que sempre a fazia perguntar se realmente era aquilo que ela queria.

Nunca teria essa resposta. Talvez nem quisesse essa resposta por enquanto. Não estava em condições de ficar questionando os motivos da guerra nem porque tanta gente lutava ferrenhamente enquanto os coroneis ficavam em suas confortáveis tendas. De um desses generais recebeu sua missão: se infiltrar em território inimigo, obter informações importantes e, se possível, não ser descoberta. Alguém mais atento notava que o alforje de Janaína só tinha um dos lados ocupados quando ela saiu de seu acampamento. Pois agora, uma vez com missão, ela preencheu o outro lado do alforje dando mais estabilidade ao carrega-lo.

A verdade que um estágio em um jornal não era o que Janaína sempre quis. Seu curso nem era esse. Mas tinha contas pra pagar e, por enquanto, era o que tinha pra hoje. Fotografia sempre foi uma de suas paixões. Mas a fotografia de paisagens - naturais ou urbanas - e não a desgraça humana. Não que fosse tão misantropa, porém a ideia de registrar protestos, cenas policiais ou qualquer outra coisa relevante pra esse veículo popularesco era válido e bem visto aos olhos do coronel. Coronel mesmo, reformado do exército, dispensado por excesso de contingente. Um país em tempos de paz é um saco pras forças militares.

Aquele dia tinha ouvido falar de um protesto que ocorreria no centro da cidade e que, provavelmente, haveria confronto de estudantes - como ela - e policiais. Janaína tinha nas mãos uma câmera que valeria uns cinco ou seis meses de salário. Mais se contar o valor das lentes. Ao chegar no lugar logo sacou a máquina e tratou de fazer dezenas de fotos dos alunos, das faixas, das reivindicações, do que eles queriam. Melhores condições. Justo. A polícia observava de longe. Que fiquem lá. Ficou duas horas, o protesto se dissipou sem balas de borracha, sem bombas de gás lacrimogênio, sem bombas de efeito moral. "Chato e sem graça" aos olhos dos editores do jornal que, certamente, ignorariam a maioria das fotos de Janaína e, no máximo, noticiariam o relato dela com aquela foto que não mostrava rostos nem faixas de reivindicações que eram contra o governo e, por tabela, contra o jornal. Por tabela porque o coronel tinha ajudado o governador a se eleger e como "agradecimento" o jornal havia vencido uma licitação milionária que valeria alguns anos de sobrevida à uma gazeta que vendia o suficiente para se manter com a equipe minima. Porém Janaína se deu conta de que, tanto ela quanto os outros três estágiarios, só estavam ali por essa verba extra. Ou seja, indiretamente ela era uma peça dessa máquina podre. Pensar coisas assim deprimem.

No caminho de volta pro jornal fotografou idosas em uma praça que faziam tai chi chuan. Conversou com a coordenadora, havia uma moça da faculdade de Janaína que estagiava ali e havia outra vaga, mas pra trabalho voluntário. Voluntariado era lindo, mas não ajudava a pagar os boletos que insistiam em vir mês após mês. Contrariando Nando Reis ela dizia que o mundo não é bão, Sebastião. Antes de entregar matéria pronta e as fotos descarregou as fotos das idosas e guardou pra si. Quem sabe conseguisse negociar e publicar em algum jornal menor, quem sabe o jornal da faculdade. Era uma.

Findado o estágio nossa nobre Kunoichi esvaziou o alforje e seguiu para a faculdade. Comeu um-qualquer-coisa no caminho. Seu curso de publicidade insistia em tentar transformar todos os seres sem iluminação - alunos - a serem aquele publicitário fodão, que ganha mil prêmios, que vai pra cannes todo ano, que abre agência aos vinte e seis, que se esgota aos trinta e dois, que vende a agência aos trinta e quadro, que aos trinta e cinco descobre uma úlcera e que, na porta dos quarenta, se sente frustrado com tudo e, ou vai dar aula, ou vai trabalhar em algum lugar pequeno. Janaína não curtia essa forma de viver. Ela, apesar de ter vivido boa parte da vida em uma cidade de duzentos mil habitantes sempre teve um lado com a natureza, com as coisas naturais, com o que não pode ser comprado, com as sensações.

Mais um dia acabou. Hora de driblar os convites pro "novo bar que abriu" ou praquele show daquela cantora que está bombando. Não. Tinha uma coisa pra fazer nos próximos dias que precisava fazer. Mais do que ir em bar, show, estágio, faculdade, casa, puta que pariu. Tinha de ir visitar Helena que havia respondido a mensagem. Dizia estar bem, que as coisas estavam se ajeitando e que também sentia saudade da amiga. Ao entrar em casa sorriu de canto tomando desse protótipo de escritor a pena e assumindo os escritos... Hey, Lu, esse é minha terceira crônica em sequência, posso pedir música? Posso né? Quero pedir Nenhum de Nós - Aquela Estação porque sei que escreveu outro texto ouvindo eles e que agora está assistindo enquanto escreve o DVD Acústico e Ao Vivo Dois. Agora pode pegar a pena de volta e terminar a crônica... Bom, depois de quebrar a quarta parede Janaína preparou algo para comer, tomou uma ducha rápida, colocou algum filme antigo no netflix. No próximo final de semana visitaria Helena. Foda-se faculdade, estagio... precisava de alguém que lhe conhecia a fundo e estava desatualizada. Por já ter citado Nenhum de Nós cantarolou "por favor me traga uma notícia, mas que seja boa" enquanto o filme fechava os créditos e se deixava dormir.