domingo, 4 de dezembro de 2016

Cascabel

Sempre ouviu que tudo que acontece, acontece por alguma razão ou motivo. Mas por que ele? Para quem acredita era deus em sua obra trabalhando para que tudo mantivesse o equilíbrio. Que equilíbrio? Esteban sempre trabalhou duro para ter tudo que tinha, sempre ia para casa com as mãos parcialmente sujas de graxa da pequena oficina que mantinha em Baviácora, México. Era o único mecânico em um raio de centenas de quilômetros, para ele tanto fazia quem eram seus clientes. Fossem da polícia, dos cartéis, moradores ou viajantes. Tinha o coração bom e, tendo pagamento justo por seu trabalho, atendia todos com um largo sorriso nos lábios. Todos no vilarejo o respeitavam e tinham nele um líder, um exemplo de que, trabalhando-se duro, era sim possível sair da pobreza e sofrimento que tanto assolava aquela região esquecida do mundo. 

Ele não era rico justamente por isso, todo o excedente que ganhava - fosse dinheiro ou bens - dívida com os menos favorecidos, e nem por isso ele vivia sem conforto. Esteban, sua esposa Salete, sua filha Clara e seu cachorro Tito tinham o conforto de uma boa casa, sem luxos ou exageros. Tinham.  Tudo por aquele dia. Aquele fatídico dia. Dezesseis de outubro de mil novecentos e noventa e dois. Um dos inúmeros cartéis , tal qual ladrões do velho oeste, invadiram a pequena cidade atrás de tudo que pudesse virar dinheiro. Só faltaram os cavalos, trocados por ágeis motocicletas. Tomaram todos os prédios, bancos, bares, lojas... nem mesmo o padre foi poupado. Quis o destino, criaturas divinas, céus, deus, diabo ou qualquer outro motivo alheio a compressão de Esteban que apenas ele e Tito, seu fiel escudeiro, sobrevivessem frente ao caos. Tantas dúvidas e apenas uma certeza: iria vingar todos, nem que isso demorasse anos. 

Vinte e um anos para ser mais exato. Foi no dia quatorze de março de dois mil e três que Esteban, com a ajuda de um facão comprido, que no México ganha o sonoro nome de machete, separou do corpo a cabeça de Domenico Pérez, traficante de drogas, armas, animais silvestres, pessoas para trabalhar e para abastecer a "américa" de prostitutas a preço baixo e responsável por inúmeras chacinas ao redor do antigo império maia, incluindo o dr Baviácora, tido como um dos mais sangrentos da história . Uma vez vingado ele se sentou ao lado do corpo e chorou toda a dor reprimida por todos esses anos. No dia seguinte policiais não corruptos do México - algo tão raro quanto água no deserto -, aliados a diversas siglas do país vizinho do norte o encontraram. 

Esteban não sabia, mas havia uma gorda recompensa pela captura ou entrega do corpo morto de Pérez. Diversos zeros, uma identidade nova e residência fixa na grande águia. Nada disso traria sua família ou seu cão - morto por idade em uma das muitas cidades que morou e trabalhou para juntar dinheiro. Aceitou a recompensa. Atravessou a fronteira certo de que, um dia, alguém iria procura-lo para vingar Pérez. Enquanto esse dia não chega Esteban voltou a trabalhar no que sempre lhe fez feliz, abriu uma oficina mecânica, casou-se novamente, adotou outro cachorro e, logo há de ser pai de um menino.