domingo, 1 de janeiro de 2017

Estrôncio e Cobre

Janaína. Sempre pensou porque seus pais lhe deram esse nome. Nasceu em cidade litorânea, amava o mar, mas aí ter o nome da rainha do mar? A grande verdade é que estava exausta. A primeira semana de férias sozinha tinha sido ótima, colocou a porra do sono em dia, reviu alguns filmes que adorava, rabiscou algumas coisas que ficariam dentro da gaveta por um bom tempo, limpou a casa... fez tudo quando quis, sem horário definido pra nada - pra você, que lê, ter ideia eram duas da manhã quando ela resolveu passar o espanador na estante.

A segunda semana foi quando o inferno começou. Foi quando as "visitas" chegaram para atormenta-lá. Por isso nesse exato momento ela está sentada no canto da varanda, no chão, sem nenhuma vontade de ir lá dentro buscar a cadeira. Salvo os poucos vasos de plantas - duas pimenteiras vermelhas, uma roxa, um pé de manjericão, uma violeta e um frondoso pé de salsinha - apenas ela estava ali. Todas as casas em volta fechadas com seus respectivos habitantes viajando. Ela podia viajar, afinal estava de férias. Mas sozinha? "Obrigada, não." São as palavras que se formaram na sua mente logo que pensou nisso. E visitar os parentes no sul? Aquela tia tinha convidado para passar as festas. "Nem fudendo". Ainda se lembrava da forma que foi tratada quando depois do ocorrido resolveu vender tudo e ir embora. Claro que se afastar dos problemas não era solução, mas, por ora, era o melhor a se fazer. E já iam longos anos assim.

Uma megalópole de doze milhões de habitantes e ela estava sozinha. Devia ser isso que queria dizer "só na multidão". E Helena? Podia rastrear o celular dela e chegar na cidade dela facilmente. Não. Se ela quis se distanciar e não está precisando de ajuda não era Janaína que iria interferir. Não estragaria o rolê dos rolêzeiros. O próximo ano seria o último que ficaria metade do dia dormindo em um banco acadêmico. Depois era correria diária, um dia inteiro dado pra uma empresa em troca de um punhado de sal.

Ces't la vie. Era o que dizia uma camiseta que viu numa loja dia desses. Quem usaria uma camiseta escrita "é a vida" assim, em português? Acho que ninguém. Por isso  a imensa maioria das roupas com "letras" era em inglês, francês ou outro idioma que pouca gente compreende. Um povo que não valoriza a própria língua... o que esperar deles? A verdade verdeira - será que existe uma verdade mentirosa? - é que aquele cansaço do ano ainda era presente e Janaína não achava formas de descansar. Quantas formas de descanso existem? Dormir. Ler. Viajar. Passar bons momentos com amigos. Nenhum deles era suficiente e, todo dia ao acordar, ela dizia não estar descansada. Quando ouviu o celular pensou que era a solução. Não. Era a tal tia do sul desejando feliz ano novo. Dammit. Hoje era véspera de ano novo. Deixou o celular do lado e focou o olhar em um pássaro  - uma pomba - que limpava as penas sentada em um fio elétrico. Até ela estava se arrumando e Janaína ali, sentada no escuro.

Piscou demoradamente, só tornou a abrir os olhos com os fogos. Em um esforço sobre-humano levantou-se para se apoiar na mureta da varanda vendo clarões que iluminavam o céu. Azul. Amarelo. Vermelho. Roxo. Verde. Branco. Branco? Janaína passou a virada do ano com uma camiseta preta, dessas de banda que faz muito tempo tornou-se "roupa-de-usar-em-casa", passo esse que é o último antes de se tornar pano de chão e depois ir para o merecido descanso no lixo e uma bermuda azul clara que tinha ganho em algum amigo secreto. O que será que tudo isso queria dizer? Faltou a calcinha, quem sabe ela possa ajudar e... não. Era daquelas calcinhas bege, de algodão, boas para dormir. O ano seria isso aí então. Preto, azul e bege. Preto não era boas energias, azul era tranquilidade e bege era marasmo. Vida profissional, faculdade e vida amorosa. Tudo representado perfeitamente. Merda.

Um vizinho, imigrante boliviano que tinha conseguido fugir de se tornar escravo da indústria têxtil e trouxe a família inteiro para viver aqui. Ao vê-la ele sorriu, desejou feliz ano novo. Ela, tirada de seu mar de pensamentos, sorriu e acenou-lhe. "Adeus ó Esteves" foi a frase que veio num lampejo na cabeça dela, o telefone tocando com a foto de Helena na tela foi o universo reconstruindo-se.