terça-feira, 1 de maio de 2018

Epifania

Faltava pouco para concluir aquela que seria uma das maiores empreitadas de Janaína. Mas e por que ela sentia isso tudo ruim? Ela não sentia a menor vontade de continuar. Era como aquela música de Raul "foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto e daí?" que tocava mentalmente a cada etapa vencida, ela tinha mais coisas do que essa faculdade ou o trabalho, algum tempo atrás tinha tido uma epifania que a deixou desgostosa de fazer tudo o que fazia.

Verdade seja dita: sempre teve esses pensamentos e agora era como se uma conclusão se desdobrasse e ela perdesse o objetivo. Como aquele velho quebra-cabeças que ficou quatro anos pela metade, com as peças não posicionadas dentro de uma lata de achocolatado para que não as perdesse, em um final de semana de pura inspiração - e algumas doses de vodka, diga-se bem da verdade - enfim finalizou o tal jogo. Cinco mil peças colocadas em ordem. Fotografou, registrou nas redes sociais seu feito, recebeu os louros da conquista e... e daí? Puxou as peças para dentro da caixa de volta desmontando tudo e liberando uma parte da mesa.

Dizem que quando se conquista algo se tem que ter outro objetivo em vista e outro e outro e outro e assim sucessivamente até o fim da vida. Janaína não conseguia pensar nisso, traçar planos a longo prazo? Pra quê? Podia acordar um dia em outro plano, aquele carro que furou o sinal e quase lhe atropelou podia ter passado do quase... tanta coisa podia acontecer que, criar expectativas e sonhos... pra que? Pra conquista ser tão vazia quanto ver que, depois de anos protelando, a imagem montada do quebra-cabeças é a mesma da caixa? Não, esses objetivos eram todos fúteis demais.

Ah mas desenvolver planos para o seu futuro só depende de você. Não que ela não quisesse traçar planos ou não almejasse algo maior, lá no fundo ela tinha algumas coisas que ela queria conquistar mas, por serem coisas próprias, ela não corria atrás, não valiam a pena, podiam ser conquistadas na hora que ela quisesse. E depois que conquistasse? Teria mais uma epifania e ficaria sem um objetivo. Se bem que, ao passar pela sacada, atraída por um barulho de sorveteiro e seu tradicional apito, ela esboçou um sorriso fino o suficiente para fazer Mona Lisa sentir inveja. Sempre havia "aquele" objetivo...