terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Das Ende

Eu vou morrer. Sim. Não há opção. O fim se aproxima cada vez mais rápido. Lembro-me que, antigamente, os anos duravam muito tempo, hoje vejo que... 2012, o ano do apocalipse maia, já tem quase dois anos atrás. Dois anos no passado. Duas voltas completas da Terra ao redor do Sol. Mais de setecentos dias. Sete centos, sete vezes cem. É muito tempo. Por isso volto a afirmar que, sim, eu estou morrendo nesse exato momento. Digo mais: você, que me lê agora, também está morrendo. Você vai morrer. É estranho? Sim. Com certeza.

O pior é pensar que, depois de morrer, muito provavelmente não há nada. Não que eu não acredite em reencarnação, até acredito, mas não naquela reencarnação onde a pessoa morre e volta como pessoa. Acredito na reencarnação budista: quando você morre volta como outra coisa, minhoca, cachorro, ameba. Qualquer coisa, menos gente. Doi pensar nisso, não? Decididamente pra mim, não doi. Claro que pensar em nunca mais sentir nada me soa estranho... mas... não, realmente não me importo. Até porque, quando eu morrer, eu não vou sentir mais nada. Absolutamente nada.

Podia teorizar no que deve haver no além-vida... mas não, não sou teólogo, muito menos físico. Sou apenas alguem que, descobriu muito cedo uma habilidade não tão comum: escrever. Desde meus seis, sete anos sei ler e escrever (com uma letra feia, admito). E, desde os onze ou doze que escrevo pequenos contos. Quando passei a ter computador em casa é que comecei a escrever com mais frequência. Não tenho nenhum desses escritos mais, pois, naquela época eu realmente não me importava em salvar tudo pra, quem sabe um dia, publicar. Foi no longinquo ano de 2006 em diante que passei a guardar tudo. Comecei acho que como todo escritor começa: com poemas. Poemas de amor, sobretudo. Aos poucos fui me aventurando em um conto aqui, um conto ali... e chegamos aos dias atuais.

Hoje olho em volta. Na minha parede tem um mural onde poucas coisas estão fixadas. Alguns papéis de bala, umas figurinhas, um desenho feito pela, também escritora, Camila (o blog dela esta aqui nos links do "por onde andei"), um crucifixo de prata, alguns carrinhos de papel e um Tsuru, que ganhei de uma senhora japonesa (vinda do japão mesmo) na praça do Japão, em Curitiba. Esse Tsuru já viajou muito, mas muito mesmo, devo ter ele desde 1996... Recentemente eu li sobre a lenda desse pássaro de origami e li que ele simboliza o desejo de felicidade, boa saúde e boa sorte... Reza a lenda niponica que, se dobrar os mil desses pássaros, há de se conseguir uma graça. Será que a senhora que me deu esse meu Tsuru estava buscando algo? Uns dois anos atrás soube que ela já havia falecido um tempo atrás... será que ela conseguiu o que buscava? Tomara que sim.

Pensando nisso agora me lembrei da frase inicial do ótimo livro "A Menina Que Roubava Livros" que dizia: "Eis um pequeno fato: você vai morrer". E assim voltamos ao, provavelmente único, fato imutavel da vida: Nós todos vamos morrer. Quem acompanha o blog desde o inicio (ou desde a semana passada, desde que tenha lido mais do que apenas a última postagem) sabe que meus posts são quase todos sobre sentimentos e sensações. Adoro saber que, em dado momento do que escrevi, alguem se arrepiou ao ler. Enquanto escrevo essas linhas abri o painel do blogger e vi algo que sempre vejo mas hoje me dei conta. Algo como "Estou hoje lúcido como se estivesse para morrer". Cheguei a 100ª postagem. É, sem sombra de dúvidas, o blog onde eu mais escrevi, onde mais, por assim dizer, vivi. Mais de quatro mil e seiscentas visualizações. Deveria ser algo pra se comemorar né? E eu venho e falo de morte.

Talvez morramos todos os dias, partes nossas morrem e nascem a cada minuto, um cacoete de falar enrolado que tinhamos quando criança já não é mais percebido hoje e, aquela compulsão por organização, tão rara na infância hoje é parte de um Transtorno Obcessivo Compulsivo. Talvez, em mim, o meu lado escritor, que foi o precursor de todas as minhas, digamos assim, facetas culturais, divida espaço com meus outros quase-talentos-que-já-foram-hobbies. Sobre a mesa não vejo papel escrito, mas vejo papel desenhado, uma camera fotográfica, vários lápis... não sei mais o quê falo. Sinto que já perdi o fio da meada desse post faz horas. Melhor mata-lo e encerra-lo assim mesmo, sem um fim definido. O blog vai continuar sim, preciso exteriorizar meus sentimentos, minhas sensações, preciso dividir isso com vocês. Todos os blogs e portfólios vão continuar: o de designer, de fotografo, as colaborações esporadicas de sempre no "Cartas", das também escritoras Thata e Jéssica (os blogs de ambas também está nos links aqui do lado), os outros lugares também vão.

Claro, um dia tudo isso vai morrer. E, parafraseando Pessoa, em outros satélites, em outros planetas qualquer coisa como gente vai seguir escrevendo, desenhando, fotografando e publicando tudo em blogs. Uma coisa, aparentemente, tão inutil quanto a outra. Algumas coisas vão, naturalmente, mudar (ou, simplesmente, morrer) e outras vão surgir. Essa é a graça da arte: sempre em movimento, sempre morrendo e renascendo. Sempre assim, sempre nesse ciclo. Até o fim e o novo começo.


Observação: o titulo, como provavelmente só a Jan entendeu (por estar em alemão), quer dizer "O Fim", escolhi alemão por ser um idioma fonéticamente estranho mas que, pra mim, tem uma sonoridade interessante.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Universo em Criação

"Trovões no céu, um corpo ensanguentado no chão e no ar o cheiro de polvora completava o ambiente hostil...". Não. Janaina amassou a folha assim que terminou a frase a atirando ao lixo em seguida. Pensou por um instante em seguir os conselhos de sua amiga Helena e escrever no computador, afinal, no computador é mais "ecologicamente correto". Mas sempre que ela se sentava em frente à máquina ela fazia mil outras coisas e não tinha a concentração suficiente para escrever. Por isso ainda optava pelo papel e lápis - caneta não tem sentimento, lápis, grafite, sim, ele tem sentimento.

Bem dizem que, quando se pensa em uma pessoa, ela acaba aparecendo de alguma forma ou de outra. No visor do celular que tocava aparecia o nome "Helens". Era Helena. Por um instante deixou o aparelho tocando e se lembrou de quando tinha colocado o número da, então sua nova amiga, na agenda. Janaina andava em uma fase meio infantil, havia achado alguns videos antigos dos trapalhões, onde o, finado, Mussum, dizia toda hora as palavras terminando em 's'. Enfim atendeu. Helena queria convidar a amiga para sair, beber... essas coisas que a idade sempre convidava. Janaina, a principio não queria, mas pensou que, assim, poderia ter 'a' inspiração e escrever seu livro de histórias de terror, ficar famosa, rica, dar entrevistas, ganhar premios. Tanta a viagem que sua mente fez que ela acabou sorrindo sozinha enquanto pensava o que vestiria, antes mesmo de desligar o celular.

Não fez grandes escolhas de roupa, não precisava disso. Era naturalmente bonita, cabelos pretos, um corpo esguio com curvas definidas. Unhas parcialmente roídas - sobretudo a do dedo mínimo - e pouca maquiagem completavam o visual. Talvez fosse hora de assumir algumas coisas na vida, ir ver o mundo além dessa cidade. Olhou a caixa de joias que um dia foi de sua mãe. Sorriu passando a ponta dos dedos por sobre os brincos, anéis, correntinhas... não ousava usa-las, não com as taxas de roubos altas como andavam. As peças valiam mais do que o financeiro, eram parte de lembranças. No canto da penteadeira onde repousava a tal caixa de joias havia uma foto de seus pais. Faziam alguns anos desde que aquele acidente havia tirando eles dela. Herança nenhuma a consolou totalmente. Decidiu sair da cidade onde morava - no litoral de Santa Catarina - e vir para a tal cidade grande. Tinha de afastar algumas lembranças ruins. Vendeu a casa, os dois carros, já tinha idade pra viver sozinha, beirava os vinte anos quando se mudou.

Já tinha concluído o colegial e esperava por algum lampejo de ideia de algum curso de faculdade que poderia cursar. "Letras" diziam muito à ela. Não servia pra professora. Até gostava de letras, mas a ideia de lecionar lhe causava arrepios. Enquanto isso administrava alguns fundos que rendiam em bancos e alguns imóveis alugados em São Paulo. Não rendia muito, é verdade, mas dava pra levar o estilo de vida que Janaína tinha. O armário era com poucas roupas caras, a grande maioria era comprada em brechôs, lojas populares... e era uma dessas roupas mais simples que usaria. Helena, ao contrário sempre se vestia muito bem e haveria de reclamar da amiga vestida igual uma hippie. Uma hippie? Não, ela não se via assim. Era despojada e tinha seu proprio estilo de vestir. Maquiagem feita - apenas realçando os lábios e olhos - Janaína saiu trancando a porta atrás de si.

Desceu os lances de escada até a rua e já podia ouvir Helena vindo em um vestido azul-marinho, drapeado da cintura pra baixo, parecido com aqueles dos anos cinquenta. O cabelo displicentemente presos mas fugindo com o vento que cortava a rua. A maquiagem dava a amiga alguns anos a mais do que realmente tinha. Se abraçaram e caminharam na direção de uma rua onde haviam alguns bares, restaurantes. Por irônia ou por destino mesmo, encontraram alguns conhecidos, amigos, conhecidos de amigos e juntaram várias mesas. Janaína morava perto, então não precisava de carro para ir embora e, Helena, caso precisasse, dormiria com ela.

A reunião de amigos que, no começo, era regada a cerveja, batata frita e petiscos diversos, agora tinha uma garrafa de whisky caro rodando de mão em mão. Todos beberam, ao menos, três doses. Helena era uma das mais animadas, já havia bebido sozinha três latas de cerveja e agora estava na quarta do destilado escocês. Quando Janaína sentiu seu limite ela simplesmente parou de beber, não gostava de se sentir bebada, não na rua. Em casa gostava de beber afim de buscar alguma inspiração. As horas passavam e o grupo foi diminuindo. Cada um que saía jogava uma nota de vinte reais pra pagar a conta que, a essa altura, já passava de duzentos reais. Dinheiro não era problema, era a solução.

Janaína bem que tentou levar Helena consigo, mas ela dizia que voltaria com um vizinho, amigo seu. A morena, a principio, não levou muita fé, mas, devido a insistência da amiga, deixou-a ali e saiu a francesa para seu esconderijo. O dia seguinte prometia alguns negocios com aquela empreiteira que havia comprado a casa onde morou. O prédio que subiria ali teria uma dúzia de andares, belas colunas e dois apartamentos de Janaína, pra ela fazer o que bem entendesse. Entrou em casa decidindo que os alugaria. Tomou um banho rápido e se deitou. No dia seguinte tratou de seus negocios - ganhou uma boa quantia. Ao voltar pra casa sua amiga Helena estava sentada ao pé da porta, uma pequena mochila em seus pés e com uma grande história que começava na sarjeta, se desenrolava com extrema sorte e terminava com ela ali no tapete.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Travessia

Eu não vim nos navios, eu não passei a necessidade que meus avós, bisavós passaram ao chegar aqui, nessa terra de mata fechada. Nessa selva coalhada de animais ferozes, de doenças que lá, no velho continente, não existiam. Dos poderosos de coisa nenhuma ganharam, quando muito, dois pacotes de prego, punhados de sementes variadas e mais nada. Mas o preço era alto demais: Tiveram seus nomes, sobrenomes anotados por algum funcionário preguiçoso que os mutilou completamente, o quê um dia foi o símbolo máximo de um clã, de uma família agora era algo diferente, em letras diferentes, em sotaques diferentes. Subiram a gigante serra do mar que, na época, era algo feito de terra batida, quando muito um caminho onde passava - raspando nos galhos das árvores - uma carroça que sacolejava mais que o navio que enfrentou o mar.

Ao chegar na capital a coisa não melhorava. Havia um trem, disseram, um trem que levava até metade do caminho, de lá em diante haveria um barco que levaria à uma cidade. Uma cidade. Todos aqueles homens e mulheres, muitos que abandonaram suas casas vendo a eminência da guerra galgando a passos largos, vindo depressa à soleira das portas. Nessa hora ninguém é covarde se foge afim de sobreviver. Jamais. Ao contrário: tem de ter muita coragem em sair do seu país e ir desbravar algo completamente desconhecido.

O trem lhes custou o resto de suas últimas moedas. Agora estavam apenas com as sementes e o pacote de pregos. Decidiram descer o rio. Acharam um campo que falaram ser fértil, ser tranquilo e o clima lembrar bastante a velha terra amada. Por sorte - ou até mesmo por uma total coincidência - alguns haviam trazido em suas malas algo além de roupas, esperanças e sonhos de recomeço. Haviam trazido coisas práticas como martelos, serrotes... logo após as primeiras árvores derrubadas notaram que os pregos que haviam ganho seriam insuficientes. Rapidamente desenvolveram formas de construir sem usar tantos pregos, logo construiram pequenas casas, foram ocupando subempregos, alguns progrediram, mas o lugar ainda era completamente diferente. A língua, barreira na negociação do nome agora era barreira feroz na hora de se ambientar àquele lugar. Não posso dizer se passaram fome, sede... mas provações, sei que passaram. E superaram.

E hoje, quando olho meu sobrenome na identidade, sinto orgulho, não sou um décimo da garra e da força, a covardia corajosa, a capacidade de se adaptar a algo completamente insosso, algo sem precedentes. Aposto que os ancestrais de meus ancestrais não esperavam por essa mudança, esperavam que toda a família ficasse unida pelos séculos que viriam a frente. Não ocorreu, houve a divisão. Talvez, se não tivesse isso, eu estaria nas ruas protestando. Talvez a família nem existisse mais... pensar nisso me trás uma saudade de meu avô paterno que, pasmem, não conheci e ainda assim sinto falta! Obrigado pela covardia corajosa de vir rumo ao desconhecido! Obrigado por terem dado a seus descendentes o orgulho que pulsa firme em meu peito. Sim, sou brasileiro, mas também tenho uma pontinha de coração batendo lá em minha eterna - ainda que eu não tenha pisado lá - pátria, minha Ucrânia! Chy Bude Ukraina!